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18/11/2023

VII DIA MUNDIAL DOS POBRES - Papa Francisco

 



MENSAGEM DO Papa FRANCISCO

PARA O VII DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII Domingo do Tempo Comum

19 de novembro de 2023

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7)

(Olhe para mim)

1. O Dia Mundial dos Pobres, sinal fecundo da misericórdia do Pai, vem pela sétima vez alentar o caminho das nossas comunidades. Trata-se duma ocorrência que se está a radicar progressivamente na pastoral da Igreja, fazendo-a descobrir cada vez mais o conteúdo central do Evangelho. Empenhamo-nos todos os dias no acolhimento dos pobres, mas não basta; a pobreza permeia as nossas cidades como um rio que engrossa sempre mais até extravasar; e parece submergir-nos, pois o grito dos irmãos e irmãs que pedem ajuda, apoio e solidariedade ergue-se cada vez mais forte. Por isso, no domingo que antecede a festa de Jesus Cristo, Rei do Universo, reunimo-nos ao redor da sua Mesa para voltar a receber d’Ele o dom e o compromisso de viver a pobreza e servir os pobres.

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Esta recomendação ajuda-nos a compreender a essência do nosso testemunho. Deter-se no Livro de Tobite, um texto pouco conhecido do Antigo Testamento, eloquente e cheio de sabedoria, permitir-nos-á penetrar melhor no conteúdo que o autor sagrado deseja transmitir. Abre-se diante de nós uma cena de vida familiar: um pai, Tobite, despede-se do filho, Tobias, que está prestes a iniciar uma longa viagem. O velho Tobite teme não voltar a ver o filho e, por isso, deixa-lhe o seu «testamento espiritual». Foi deportado para Nínive e agora está cego; é, por conseguinte, duplamente pobre, mas sempre viveu com a certeza que o próprio nome exprime: «O Senhor foi o meu bem». Este homem que sempre confiou no Senhor, deseja, como um bom pai, deixar ao filho não tanto bens materiais, mas sobretudo o testemunho do caminho que há de seguir na vida. Por isso diz-lhe: «Lembra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça» (Tb 4, 5).

2. Como salta à vista, a recordação, que o velho Tobite pede ao filho para guardar, não se reduz simplesmente a um ato da memória nem a uma oração dirigida a Deus. Faz referência a gestos concretos, que consistem em praticar boas obras e viver com justiça. E a exortação torna-se ainda mais específica: «Dá esmolas, conforme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus» (Tb 4, 7).

Muito surpreendem as palavras deste velho sábio. Não esqueçamos, de facto, que Tobite perdeu a vista precisamente depois de ter praticado um ato de misericórdia. Como ele próprio conta, desde a juventude que se dedicou a obras de caridade, «dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive (…), fornecendo pão aos esfomeados e vestindo os nus e, se encontrava morto alguém da minha linhagem, atirado para junto dos muros de Nínive, dava-lhe sepultura» (Tb 1, 3.17).

Por causa deste seu testemunho de caridade, viu-se privado de todos os seus bens pelo rei, ficando na pobreza completa. Mas, o Senhor precisava ainda dele! Foi-lhe devolvido o seu lugar de administrador e ele não teve medo de continuar o seu estilo de vida. Ouçamos a sua história, que hoje nos fala também a nós: «Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: “Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho”» (Tb 2, 1-2). Como seria significativo se, no Dia dos Pobres, esta preocupação de Tobite fosse também a nossa! Ou seja, convidar para partilhar o almoço dominical, depois de ter partilhado a Mesa Eucarística. A Eucaristia celebrada tornar-se-ia realmente critério de comunhão. Aliás, se ao redor do altar do Senhor temos consciência de sermos todos irmãos e irmãs, quanto mais visível se tornaria esta fraternidade, compartilhando a refeição festiva com quem carece do necessário!

Tobias fez como o pai lhe dissera, mas voltou com a notícia de que um pobre fora morto e deixado no meio da praça. Sem hesitar, o velho Tobite levantou-se da mesa e foi enterrar aquele homem. Voltando cansado para casa, adormeceu no pátio; caíram-lhe nos olhos excrementos de pássaros, e ficou cego (cf. Tb 2, 1-10). Ironia do destino! Pratica um gesto de caridade e sucede-lhe uma desgraça... Apetece-nos pensar assim, mas a fé ensina-nos a ir mais a fundo. A cegueira de Tobite tornar-se-á a sua força para reconhecer ainda melhor tantas formas de pobreza ao seu redor. E, mais tarde, o Senhor providenciará a devolver ao velho pai a vista e a alegria de rever o filho Tobias. Quando chegou este momento, «Tobite lançou-se-lhe ao pescoço e, chorando, disse: “Vejo-te, filho, tu que és a luz dos meus olhos!” E continuou: “Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome! Benditos os seus santos anjos! Que seu nome esteja sobre nós e benditos sejam todos os seus anjos, pelos séculos sem fim! Ele puniu-me, mas eis que volto a ver Tobias, o meu filho”» (Tb 11, 13-14).

3. Podemos questionar-nos: Donde tira Tobite a coragem e a força interior que lhe permitem servir a Deus no meio dum povo pagão e amar o próximo até ao ponto de pôr em risco a própria vida? Estamos diante dum exemplo extraordinário: Tobite é um marido fiel e um pai carinhoso; foi deportado para longe da sua terra e sofre injustamente; é perseguido pelo rei e pelos vizinhos de casa... Apesar de ânimo tão bom, é posto à prova. Como muitas vezes nos ensina a Sagrada Escritura, Deus não poupa as provações a quem pratica o bem. E porquê? Não o faz para nos humilhar, mas para tornar firme a nossa fé n’Ele.

Tobite, no período da provação, descobre a própria pobreza, que o torna capaz de reconhecer os pobres. É fiel à Lei de Deus e observa os mandamentos, mas para ele isto não basta. A solicitude operosa para com os pobres torna-se-lhe possível, porque experimentou a pobreza na própria pele. Por isso, as palavras que dirige ao filho Tobias constituem a sua verdadeira herança: «Nunca afastes de algum pobre o teu olhar» (Tb 4, 7). Enfim, quando nos deparamos com um pobre, não podemos virar o olhar para o lado oposto, porque impediríamos a nós próprios de encontrar o rosto do Senhor Jesus. E notemos bem aquela expressão «de algum pobre», de todo o pobre. Cada um deles é nosso próximo. Não importa a cor da pele, a condição social, a proveniência... Se sou pobre, posso reconhecer de verdade quem é o irmão que precisa de mim. Somos chamados a ir ao encontro de todo o pobre e de todo o tipo de pobreza, sacudindo de nós mesmos a indiferença e a naturalidade com que defendemos um bem-estar ilusório.

4. Vivemos um momento histórico que não favorece a atenção aos mais pobres. O volume sonoro do apelo ao bem-estar é cada vez mais alto, enquanto se põe o silenciador relativamente às vozes de quem vive na pobreza. Tende-se a ignorar tudo o que não se enquadre nos modelos de vida pensados sobretudo para as gerações mais jovens, que são as mais frágeis perante a mudança cultural em curso. Coloca-se entre parênteses aquilo que é desagradável e causa sofrimento, enquanto se exaltam as qualidades físicas como se fossem a meta principal a alcançar. A realidade virtual sobrepõe-se à vida real, e acontece cada vez mais facilmente confundirem-se os dois mundos. Os pobres tornam-se imagens que até podem comover por alguns momentos, mas quando os encontramos em carne e osso pela estrada, sobrevêm o fastídio e a marginalização. A pressa, companheira diária da vida, impede de parar, socorrer e cuidar do outro. A parábola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) não é história do passado; desafia o presente de cada um de nós. Delegar a outros é fácil; oferecer dinheiro para que outros pratiquem a caridade é um gesto generoso; envolver-se pessoalmente é a vocação de todo o cristão.

5. Damos graças ao Senhor porque há tantos homens e mulheres que vivem a dedicação aos pobres e excluídos e a partilha com eles; pessoas de todas as idades e condições sociais que praticam a hospitalidade e se empenham junto daqueles que se encontram em situações de marginalização e sofrimento. Não são super-homens, mas «vizinhos de casa» que encontramos cada dia e que, no silêncio, se fazem pobres com os pobres. Não se limitam a dar qualquer coisa: escutam, dialogam, procuram compreender a situação e as suas causas, para dar conselhos adequados e indicações justas. Estão atentos tanto à necessidade material como à espiritual, ou seja, à promoção integral da pessoa. O Reino de Deus torna-se presente e visível neste serviço generoso e gratuito; é realmente como a semente que caiu na boa terra da vida destas pessoas, e dá fruto (cf. Lc 8, 4-15). A gratidão a tantos voluntários deve fazer-se oração para que o seu testemunho possa ser fecundo.

6. No 60º aniversário da Encíclica Pacem in terris, é urgente retomar as palavras do Santo Papa João XXIII quando escrevia: «O ser humano tem direito à existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de vida: tais são especialmente a nutrição, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência sanitária, os serviços sociais indispensáveis. Segue-se daí, que a pessoa tem também o direito de ser amparada em caso de doença, de invalidez, de viuvez, de velhice, de desemprego forçado, e em qualquer outro caso de privação dos meios de sustento por circunstâncias independentes da sua vontade» (n. 11).

Quanto trabalho temos ainda pela frente para tornar realidade estas palavras, inclusive através dum sério e eficaz empenho político e legislativo! Não obstante os limites e por vezes as lacunas da política para ver e servir o bem comum, possa desenvolver-se a solidariedade e a subsidiariedade de muitos cidadãos que acreditam no valor do empenho voluntário de dedicação aos pobres. Isto, naturalmente sem deixar de estimular e fazer pressão para que as instituições públicas cumpram do melhor modo possível o seu dever. Mas não adianta ficar passivamente à espera de receber tudo «do alto». E, quem vive em condição de pobreza, seja também envolvido e apoiado num processo de mudança e responsabilização.

7. Mais uma vez, infelizmente, temos de constatar novas formas de pobreza que se vêm juntar às outras descritas já anteriormente. Penso de modo particular nas populações que vivem em cenários de guerra, especialmente nas crianças privadas dum presente sereno e dum futuro digno. Ninguém poderá jamais habituar-se a esta situação; mantenhamos viva toda a tentativa para que a paz se afirme como dom do Senhor Ressuscitado e fruto do empenho pela justiça e o diálogo.

Não posso esquecer as especulações, em vários setores, que levam a um aumento dramático dos preços, deixando muitas famílias numa indigência ainda maior. Os salários esgotam-se rapidamente, forçando a privações que atentam contra a dignidade de cada pessoa. Se, numa família, se tem de escolher entre o alimento para se nutrir e os remédios para se curar, então deve fazer-se ouvir a voz de quem clama pelo direito a ambos os bens, em nome da dignidade da pessoa humana.

Além disso, como não assinalar a desordem ética que marca o mundo do trabalho? O tratamento desumano reservado a muitos trabalhadores e trabalhadoras; a remuneração não equivalente ao trabalho realizado; o flagelo da precariedade; as demasiadas vítimas de incidentes, devidos muitas vezes à mentalidade que privilegia o lucro imediato em detrimento da segurança... Voltam à mente as palavras de São João Paulo II: «O primeiro fundamento do valor do trabalho é o próprio homem. (...) O homem está destinado e é chamado ao trabalho, contudo antes de mais nada o trabalho é “para o homem”, e não o homem “para o trabalho”» (Enc. Laborem exercens, 6).

8. Este elenco, já em si mesmo dramático, dá conta apenas de modo parcial das situações de pobreza que fazem parte da nossa vida diária. Não posso deixar de fora, em particular, uma forma de mal-estar que aparece cada dia mais evidente e que atinge o mundo juvenil. Quantas vidas frustradas e até suicídios de jovens, iludidos por uma cultura que os leva a sentirem-se «inacabados» e «falidos». Ajudemo-los a reagir a estas instigações nocivas, para que cada um possa encontrar a estrada que deve seguir para adquirir uma identidade forte e generosa.

É fácil cair na retórica, quando se fala dos pobres. Tentação insidiosa é também parar nas estatísticas e nos números. Os pobres são pessoas, têm rosto, uma história, coração e alma. São irmãos e irmãs com os seus valores e defeitos, como todos, e é importante estabelecer uma relação pessoal com cada um deles.

O Livro de Tobias ensina-nos a ser concretos no nosso agir com e pelos pobres. É uma questão de justiça que nos obriga a todos a procurar-nos e encontrar-nos reciprocamente, favorecendo a harmonia necessária para que uma comunidade se possa identificar como tal. Portanto, interessar-se pelos pobres não se esgota em esmolas apressadas; pede para restabelecer as justas relações interpessoais que foram afetadas pela pobreza. Assim «não afastar o olhar do pobre» leva a obter os benefícios da misericórdia, da caridade que dá sentido e valor a toda a vida cristã.

9. Que a nossa solicitude pelos pobres seja sempre marcada pelo realismo evangélico. A partilha deve corresponder às necessidades concretas do outro, e não ao meu supérfluo de que me quero libertar. Também aqui é preciso discernimento, sob a guia do Espírito Santo, para distinguir as verdadeiras exigências dos irmãos do que constitui as nossas aspirações. Aquilo de que seguramente têm urgente necessidade é da nossa humanidade, do nosso coração aberto ao amor. Não esqueçamos: «Somos chamados a descobrir Cristo neles: não só a emprestar-lhes a nossa voz nas suas causas, mas também a ser seus amigos, a escutá-los, a compreendê-los e a acolher a misteriosa sabedoria que Deus nos quer comunicar através deles» (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 198). A fé ensina-nos que todo o pobre é filho de Deus e que, nele ou nela, está presente Cristo: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).

10. Este ano completam-se 150 anos do nascimento de Santa Teresa do Menino Jesus. Numa página da sua História de uma alma, deixou escrito: «Compreendo agora que a caridade perfeita consiste em suportar os defeitos dos outros, em não se escandalizar com as suas fraquezas, em edificar-se com os mais pequenos atos de virtude que se lhes vir praticar; mas compreendi, sobretudo, que a caridade não deve ficar encerrada no fundo do coração: “Ninguém, disse Jesus, acende uma candeia para a colocar debaixo do alqueire, mas coloca-a sobre o candelabro para alumiar todos os que estão em casa”. Creio que essa luz representa a caridade, que deve iluminar e alegrar, não só os que são mais queridos, mas todos aqueles que estão na casa, sem excetuar ninguém» (Manuscrito C, 12rº: História de uma alma, Avessadas 2005, 255-256).

Nesta casa que é o mundo, todos têm direito de ser iluminados pela caridade, ninguém pode ser privado dela. Possa a tenacidade do amor de Santa Teresinha inspirar os nossos corações neste Dia Mundial, ajudar-nos a «nunca afastar de algum pobre o olhar» e a mantê-lo sempre fixo no rosto humano e divino do Senhor Jesus Cristo.

Roma – São João de Latrão, na Memória de Santo Antônio, Patrono dos pobres, 13 de junho de 2023.


FRANCISCO

12/11/2023

UMA IGREJA SINODAL EM MISSÃO - Relatório de síntese



 XVI ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS Primeira Sessão (4-29 de outubro de 2023)

Relatório de Síntese

UMA IGREJA SINODAL EM MISSÃO

28 de outubro de 2023 (12h00)


INTRODUÇÃO

PARTE I – O ROSTO DA IGREJA SINODAL

1. A sinodalidade: experiência e compreensão

2. Reunidos e enviados pela Trindade

3. Entrar numa comunidade de fé: a iniciação cristã

4. Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja

5. Uma Igreja de «toda a tribo, língua, povo e nação»

6. Tradições das Igrejas orientais e da Igreja latina

7. Em caminho rumo à unidade dos cristãos

PARTE II – TODOS DISCÍPULOS, TODOS MISSIONÁRIOS

8. A Igreja é missão

9. As mulheres na vida e na missão da Igreja

10. A vida consagrada e as agregações laicais: um sinal carismático

11. Diáconos e presbíteros numa Igreja sinodal

12. O bispo na comunhão eclesial

13. O Bispo de Roma no Colégio dos Bispos

PARTE III – TECER LAÇOS, CONSTRUIR COMUNIDADE

14. Uma abordagem sinodal à formação

15. Discernimento eclesial e questões abertas

16. Por uma Igreja que escuta e acompanha

17. Missionários no ambiente digital

18. Organismos de participação

19. Os agrupamentos de Igrejas na comunhão de toda a Igreja

20. Sínodo dos Bispos e Assembleia eclesial

PARA PROSSEGUIR O CAMINHO



Texto na íntegra:

INTRODUÇÃO

Caras irmãs, caros irmãos,

«todos nós fomos batizados num só Espírito para sermos um só Corpo» (1Cor 12,13). Foi esta a experiência, cheia de alegria e de gratidão, que fizemos nesta Primeira Sessão da Assembleia sinodal, que se realizou entre 4 e 28 de outubro de 2023, sobre o tema “Por uma Igreja sinodal. Comunhão, participação, missão”. Pela graça comum do Batismo, pudemos viver juntos, com um só coração e uma só alma, mesmo com a diferença de proveniências, de línguas e culturas. Como um coro, procurámos cantar na variedade das vozes e na unidade dos ânimos. O Espírito Santo deu-nos a graça de experimentar a harmonia que só Ele consegue gerar: ela é um dom e um testemunho num mundo lacerado e dividido.

A nossa Assembleia decorreu enquanto no mundo enfurecem velhas e novas guerras, com o drama absurdo de vítimas inumeráveis. O grito dos pobres, de quem se vê forçado a emigrar, de quem é vítima de violência ou sofre as consequências devastadoras das alterações climáticas fez eco entre nós, não apenas através dos meios de comunicação, mas também através da voz de muitos que, com as suas famílias e os seus povos, se veem pessoalmente envolvidos nestes acontecimentos. Em cada momento, trazíamos todas estas pessoas no nosso coração e na nossa oração, perguntando-nos como é que as nossas Igrejas podem favorecer caminhos de reconciliação, de esperança, de justiça e de paz.

O nosso encontro foi feito em Roma, à volta do Sucessor de Pedro, que nos confirmou na fé e nos incentivou a sermos audazes na missão. Foi uma graça iniciar o caminho destes dias com uma vigília ecuménica, em que vimos os chefes e os representantes das outras confissões cristãs a rezar juntamente com o Papa, junto do túmulo de Pedro: a unidade fermenta silenciosa dentro da Santa Igreja de Deus; vemo-lo com os nossos olhos e, cheios de alegria, testemunhamo-lo diante de vós. «Eis como é bom e agradável viverem os irmãos bem unidos!» (Sl 133,1).

Por desejo do Santo Padre, a Assembleia viu a reunir-se em conjunto com os Bispos e à volta deles também outros membros do Povo de Deus. Os Bispos, unidos entre si e com o Bispo de Roma, tornaram manifesta a Igreja como comunhão de Igrejas. Leigas e leigos, consagrados e consagradas, diáconos e presbíteros, juntamente com os Bispos, foram testemunhas de um processo que pretende envolver toda a Igreja e todos na Igreja. Eles lembraram-nos que a Assembleia não é um acontecimento isolado, mas parte integrante e passagem necessária do processo sinodal. Na multiplicidade das intervenções e na pluralidade das posições ecoou a experiência de uma Igreja que está a aprender o estilo da sinodalidade e a procurar as formas mais apropriadas para a realizar.

Há mais de dois anos que iniciámos o caminho que nos trouxe até esta Sessão. Depois da abertura do processo sinodal, que teve lugar a 9 de outubro de 2021, todas as Igrejas, embora com ritmo diferente, comprometeram-se num processo de escuta que assistiu a etapas diocesanas, nacionais e continentais, cujos resultados confluíram nos respetivos documentos. Com esta Sessão abriu-se a fase em que toda a Igreja recebe os frutos desta consulta para discernir, na oração e no diálogo, quais os caminhos que o Espírito nos pede que percorramos. Esta fase durará até ao fim do mês de outubro de 2024, quando a Segunda Sessão da Assembleia concluir o seu trabalho, oferecendo-o ao Santo Padre.

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Todo o caminho, enraizado na Tradição da Igreja, está a ser feito à luz do magistério conciliar. O Concílio Vaticano II foi, com efeito, uma espécie de semente lançada ao campo do mundo e da Igreja. A vida quotidiana dos crentes, a experiência das Igrejas em cada povo e cultura, os múltiplos testemunhos de santidade, a reflexão dos teólogos foram o terreno no qual essa semente desabrochou e cresceu. O Sínodo 2021-2024 continua a ir buscar energia a essa semente e a desenvolver as suas potencialidades. Na verdade, o caminho sinodal está a realizar aquilo que o Concílio ensinou sobre a Igreja como Mistério e Povo de Deus, chamado à santidade. Ele valoriza o contributo de todos os batizados, na variedade das suas vocações, para uma melhor compreensão e prática do Evangelho. Neste sentido, constitui um verdadeiro ato de ulterior receção do Concílio, que prolonga a sua inspiração e lança de novo no mundo de hoje a sua força profética.

Depois de um mês de trabalho, agora o Senhor chama-nos a regressar às nossas Igrejas, para transmitir a todos vós os frutos do nosso trabalho e continuar juntos o caminho. Aqui, em Roma, estávamos apenas algumas pessoas, mas o sentido do percurso sinodal proclamado pelo Santo Padre é o de envolver todos os batizados. Desejamos ardentemente que isto aconteça e queremos esforçar-nos por torná-lo possível. Neste Relatório de síntese recolhemos os elementos principais que emergiram no diálogo, na oração e no debate que caraterizaram estes dias. Os nossos relatos pessoais enriqueceram esta síntese com o tom da experiência vivida, que nenhuma página poderá traduzir. Poderemos, assim, testemunhar-vos quão ricos foram os momentos de silêncio e de escuta, de partilha e de oração. Partilharemos também que não é fácil escutar ideias diferentes, sem ceder logo à tentação de rebater; oferecer o contributo de cada um como um dom para os outros e não como uma certeza absoluta. A graça do Senhor, todavia, levou-nos a fazê-lo, apesar dos nossos limites, e esta foi para nós uma verdadeira experiência de sinodalidade. Praticando-a, compreendemo-la melhor e percebemos o seu valor.

De facto, compreendemos que caminhar juntos como batizados, na diversidade dos carismas, das vocações, dos ministérios, é importante não apenas para as nossas comunidades, mas também para o mundo. Com efeito, a fraternidade evangélica é como uma lâmpada, que não deve ser colocada debaixo de um alqueire, mas no candelabro, para que ilumine toda a casa (cf. Mt 5,15). Hoje mais que nunca, o mundo precisa deste testemunho. Como discípulos de Jesus, não podemos alhear-nos do dever de mostrar e transmitir a uma humanidade ferida o amor e a ternura de Deus.

Os trabalhos desta Sessão desenrolaram-se seguindo o percurso disposto pelo Instrumentum laboris, que nos convidava a refletir sobre os sinais caraterísticos de uma Igreja sinodal e sobre as dinâmicas de comunhão, missão e participação que a habitam. O debate sobre as questões propostas confirmou a bondade da disposição geral do percurso. Pudemos ir ao cerne das questões, identificar os temas que precisavam de ser aprofundados, avançar com um primeiro núcleo de propostas. À luz dos passos que já tinham sido dados antes, o Relatório de síntese não retoma nem reitera todos os conteúdos do Instrumentum laboris, mas relança aqueles que considera prioritários. Esta síntese não é, de modo algum, um documento final; é, antes, um instrumento ao serviço do discernimento que deverá continuar ainda.

O texto está estruturado em três partes. A primeira delineia “O rosto da Igreja sinodal”, apresentando os princípios teológicos que iluminam e fundamentam a sinodalidade. Aqui, o estilo da sinodalidade revela-se como um modo de agir e de atuar na fé que nasce da contemplação da Trindade e valoriza a unidade e a variedade como riqueza eclesial. A segunda parte, intitulada “Todos discípulos, todos missionários”, trata de todas as pessoas envolvidas na vida e na missão da Igreja e das suas relações. Nesta parte, a sinodalidade apresenta-se principalmente como o caminho conjunto do Povo de Deus e como diálogo fecundo de carismas e ministérios ao serviço do advento do Reino. A terceira parte tem como título: “Tecer laços, construir comunidade”. Aqui, a

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sinodalidade surge principalmente como um conjunto de processos e como uma rede de organismos que permitem o intercâmbio entre as Igrejas e o diálogo com o mundo.

Em cada uma das três partes, cada capítulo recolhe as convergências, as questões a aprofundar e as propostas que surgiram do diálogo. As convergências identificam os pontos firmes que a reflexão pode ter em conta: são como um mapa que permite que nos orientemos no caminho e não percamos a estrada. As questões a aprofundar recolhem os pontos sobre os quais reconhecemos que é necessário continuar um caminho de aprofundamento teológico, pastoral, canónico: são como cruzamentos onde é preciso parar, para compreender melhor qual a direção a seguir. Já as propostas indicam possíveis pistas a percorrer: algumas são sugeridas, outras recomendadas, outras, ainda, exigidas com maior força e determinação.

Nos próximos meses, as Conferências Episcopais e as Estruturas Hierárquicas das Igrejas Católicas Orientais, servindo de elo de ligação entre as Igrejas locais e a Secretaria Geral do Sínodo, desempenharão um papel importante para o desenvolvimento da reflexão. A partir das convergências alcançadas, são chamadas a concentrar-se nas questões e nas propostas mais relevantes e mais urgentes, favorecendo o seu aprofundamento teológico e pastoral e indicando as implicações no direito canónico.

Transportamos no coração o desejo, sustentado pela esperança, de que o clima de escuta recíproca e de diálogo sincero que experimentámos nos dias de trabalho comum em Roma irradie nas nossas comunidades e em todo o mundo, ao serviço do crescimento da boa semente do Reino de Deus.

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PARTE I – O ROSTO DA IGREJA SINODAL

1. A sinodalidade: experiência e compreensão

Convergências

a)

Acolhemos o convite a reconhecer com renovada consciência a dimensão sinodal da Igreja. Há testemunhos de práticas sinodais no Novo Testamento e na Igreja das origens. Sucessivamente foram assumindo formas históricas particulares nas várias Igrejas e tradições cristãs. O Concílio Vaticano II “atualizou-as” e o Papa Francisco encoraja a Igreja a renová-las ainda mais. Neste processo, insere-se também o Sínodo 2021-2024. Através dele, o Santo Povo de Deus descobriu que um modo sinodal de rezar, escutar e falar, enraizado na Palavra de Deus e tecido de momentos de encontro na alegria, e por vezes também no cansaço, conduz a uma consciência mais profunda de sermos todos irmãos e irmãs em Cristo. Um fruto inestimável é a acrescida consciência da nossa identidade de Povo fiel de Deus, dentro do qual cada um é portador de uma dignidade que deriva do Batismo e é chamado à corresponsabilidade pela missão comum de evangelização.

b)

Este processo renovou a nossa experiência e o nosso desejo de uma Igreja que seja casa e família de Deus. Os termos “sinodalidade” e “sinodal” estão associados precisamente a esta experiência e a este desejo de uma Igreja mais próxima das pessoas, menos burocrática e mais relacional, oferecendo, assim, uma primeira compreensão que precisa de encontrar um melhor esclarecimento. É a Igreja pela qual os jovens já tinham dito que ansiavam em 2018, por ocasião do Sínodo a eles dedicado.

c)

O próprio modo como se desenrolou a Assembleia, desde logo com a disposição das pessoas sentadas em pequenos grupos à volta de mesas redondas na Aula Paulo VI, comprável à imagem bíblica do banquete nupcial (Ap 19,9), é representação de uma Igreja sinodal e imagem da Eucaristia, fonte e cume da sinodalidade, com a Palavra de Deus no centro. Dentro dela, culturas, línguas, ritos, modos de pensar e realidades diferentes podem comprometer-se em conjunto e frutuosamente numa sincera procura, conduzidos pelo Espírito.

d)

Entre nós, estavam presentes irmãs e irmãos de povos vítimas da guerra, do martírio, da perseguição e da fome. A situação destes povos, aos quais muitas vezes é impossível participar no processo sinodal, entrou nos nossos intercâmbios e na nossa oração, nutrindo o nosso sentido de comunhão com eles e a nossa determinação de sermos construtores de paz.

e)

A Assembleia falou frequentemente de esperança, cura, reconciliação e recuperação da confiança entre os múltiplos dons que o Espírito derramou sobre a Igreja neste processo sinodal. A abertura à escuta e ao acompanhamento de todos, também daqueles que sofreram abusos e feridas na Igreja, tornou visíveis muitos que, por muito tempo, se sentiram invisíveis. Há ainda um longo caminho a percorrer até à reconciliação e à justiça, que exige que resolvamos as condições estruturais que permitiram esses abusos e que façamos gestos concretos de penitência.

f)

Sabemos que “sinodalidade” é um termo desconhecido para muitos membros do Povo de Deus, que em alguns suscita confusão e preocupações. Entre os medos, conta-se o receio de que o ensinamento da Igreja seja alterado, afastando-nos da fé apostólica dos nossos pais e traindo as

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expectativas daqueles que também hoje têm fome e sede de Deus. Todavia, estamos

convencidos de que a sinodalidade é uma expressão do dinamismo da Tradição viva.

g)

Sem subestimar o valor da democracia representativa, o Papa Francisco responde à preocupação de alguns, de que o Sínodo se possa tornar um órgão de deliberação por maiorias, sem o seu caráter eclesial e espiritual, colocando em risco a natureza hierárquica da Igreja. Alguns receiam ver-se obrigados a mudar; outros receiam que não mude nada e que haja pouca coragem para mover-se ao ritmo da Tradição viva. Algumas perplexidades e oposições escondem também o medo de perder o poder e os privilégios que dele derivam. Em todo o caso, em todos os contextos culturais, os termos “sinodal” e sinodalidade” indicam um modo de ser Igreja que articula comunhão, missão e participação. Exemplo disso é a Conferência eclesial da Amazónia (CEAMA), fruto do processo sinodal missionário daquela região.

h)

A sinodalidade pode ser entendida como os cristãos a caminhar com Cristo, em direção ao Reino, juntamente com toda a humanidade; orientada para a missão, ela engloba os momentos de reunir-se em assembleia aos diferentes níveis da vida eclesial, a escuta recíproca, o diálogo, o discernimento comunitário, a criação de consensos como expressão de tornar presente Cristo vivo no Espírito e a assunção de uma decisão numa corresponsabilidade diferenciada.

i)

Através da experiência e do encontro, crescemos juntos nesta consciência. Em síntese, desde os primeiros dias, a Assembleia esteve plasmada por duas convicções: a primeira é que a experiência que partilhámos nestes anos é autenticamente cristã e deve ser acolhida com toda a sua riqueza e profundidade; a segunda é que é necessário esclarecer de forma mais cuidada os níveis de significado dos termos “sinodal” e “sinodalidade” nas várias culturas. Estamos substancialmente de acordo sobre o facto de que, com os necessários esclarecimentos, a perspetiva sinodal representa o futuro da Igreja.

Questões a aprofundar

j)

Partindo do trabalho de reflexão já feito, é necessário esclarecer o significado de sinodalidade aos vários níveis, desde o uso pastoral ao teológico e canónico, afastando o risco de que soe demasiado vago ou genérico, ou que pareça uma moda passageira. Do mesmo modo, considera-se necessário esclarecer a relação entre sinodalidade e comunhão, bem como a relação entre sinodalidade e colegialidade.

k)

Emergiu o desejo de valorizar as diferenças na prática e na compreensão da sinodalidade entre as tradições do Oriente cristão e a tradição latina, também no processo sinodal em curso, favorecendo o encontro entre elas.

l)

De modo particular é necessário fazer emergir as múltiplas expressões da vida sinodal nos contextos culturais em que as pessoas estão habituadas a caminhar juntas como comunidade. Nesta linha, pode-se dizer que a prática sinodal faz parte da resposta profética da Igreja a um individualismo que se verga sobre si mesmo, a um populismo que divide e a uma globalização que homogeneíza e aplana. Não resolve estes problemas, mas fornece um modo alternativo de ser e de agir, cheio de esperança, que integra uma pluralidade de perspetivas que deve ser ulteriormente explorado e iluminado.

Propostas

m)

A riqueza e a profundidade da experiência vivida levam a indicar como prioritário o alargamento do número das pessoas envolvidas nos caminhos sinodais, superando os obstáculos à participação que emergiram até ao momento, bem como o sentido de desconfiança e os receios que alguns desenvolvem.

8

n)

É preciso desenvolver modalidades para um envolvimento mais ativo de diáconos, presbíteros e bispos no processo sinodal durante o próximo ano. Uma Igreja sinodal não pode prescindir das suas vozes, das duas experiências, nem do seu contributo. Precisamos de compreender as razões da resistência à sinodalidade por parte de alguns deles.

o)

Por fim, emergiu com força a necessidade de que a cultura sinodal se torne mais intergeracional, com espaços que permitam que jovens falem abertamente com as suas famílias, com os seus contemporâneos e com os seus pastores, mesmo através dos canais digitais.

p)

Faz-se a proposta de promover, em sede oportuna, o trabalho teológico de aprofundamento terminológico e concetual da noção e da prática da sinodalidade antes da Segunda Sessão da Assembleia, beneficiando do rico património de estudos posteriores ao Concílio Vaticano II e, em particular, dos documentos da Comissão Teológica Internacional sobre A sinodalidade na vida e na missão da Igreja (2018) e O sensus fidei na vida da Igreja (2014).

q)

Requerem um esclarecimento análogo as implicações canónicas da perspetiva da sinodalidade. A este respeito, propõe-se a instituição de uma comissão específica intercontinental de teólogos e canonistas, em vista da Segunda Sessão da Assembleia.

r)

Parece que chegou o momento de rever o Código de Direito Canónico e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais. Faça-se, então, um estudo preliminar.

2. Reunidos e enviados pela Trindade

Convergências

a)

Como recorda o Concílio Vaticano II, a Igreja é «um povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo» (LG 4). O Pai, através do envio do Filho e do dom do Espírito, envolve-nos num dinamismo de comunhão e de missão que nos faz passar do eu ao nós e nos coloca ao serviço do mundo. A sinodalidade traduz em atitudes espirituais e em processos eclesiais a dinâmica trinitária com a qual Deus vem ao encontro da humanidade. Para que isto aconteça, é preciso que todos os batizados se comprometam a exercitar em reciprocidade a sua própria vocação, o seu próprio carisma, o seu próprio ministério. Só assim a Igreja poderá verdadeiramente entrar em “colóquio” dentro de si mesma e com o mundo (cf. Ecclesiam suam 67), caminhando ao lado de cada ser humano com o estilo de Jesus.

b)

Desde as origens, o caminho sinodal da Igreja está orientado para o Reino, que terá realização plena quando Deus for tudo em todos. O testemunho da fraternidade eclesial e a dedicação missionária ao serviço dos últimos nunca estarão à altura do Mistério do qual são sinal e instrumento. Não é para se colocar a si mesma no centro que a Igreja reflete sobre a sua configuração sinodal, mas para realizar da melhor maneira, apesar da sua incompletude constitutiva, o serviço ao advento do Reino.

c)

A renovação da comunidade cristã é possível apenas se se reconhecer o primado da graça. Se faltar a profundidade espiritual, a sinodalidade é apenas uma renovação de fachada. No entanto, somos chamados não apenas a traduzir em processos comunitários uma experiência espiritual amadurecida noutro lugar, mas mais profundamente a experimentar de que modo as relações fraternas são lugar e forma de um autêntico encontro com Deus. Neste sentido, a perspetiva sinodal, se por um lado bebe do rico património espiritual da Tradição, por outro lado, contribui para renovar as suas formas: uma oração aberta à participação, um

9

discernimento vivido em conjunto, uma energia missionária que nasce da partilha e se irradia

como serviço.

d)

A conversação no Espírito é um instrumento que, mesmo com os seus limites, é fecundo para permitir uma escuta autêntica e para discernir aquilo que o Espírito diz às Igrejas. A sua prática suscitou alegria, admiração e gratidão e foi vivida como um percurso de renovação que transforma os indivíduos, os grupos, a Igreja. A palavra “conversação” exprime algo mais que o simples diálogo: entrelaça harmoniosamente pensamento e sentimento e gera um mundo de vida partilhado. Por esta razão, podemos dizer que na conversação está em jogo a conversão. Trata-se de um dado antropológico que se encontra em povos e culturas diferentes, unidas pela prática de se reunirem sinodalmente para tratar e decidir as questões vitais para a comunidade. A graça realiza esta experiência humana: conversar “no Espírito” significa viver a experiência da partilha à luz da fé e à procura do querer de Deus, numa atmosfera autenticamente evangélica dentro da qual o Espírito Santo pode fazer ouvir a sua voz inconfundível.

e)

Uma vez que a sinodalidade existe em ordem à missão, é necessário que as comunidades cristãs partilhem a fraternidade com homens e mulheres de outras religiões, convicções e culturas, evitando, por um lado, o risco do autorreferencialismo e da autoconservação e, por outro lado, o risco da perda de identidade. A lógica do diálogo, da aprendizagem recíproca e do caminhar em conjunto deve caraterizar o anúncio evangélico e o serviço aos pobres, o cuidado da casa comum e a pesquisa teológica, tornando-se um estilo pastoral da Igreja.

Questões a aprofundar

f)

Para realizar uma verdadeira escuta da vontade do Pai, parece ser necessário aprofundar sob o perfil teológico os critérios do discernimento eclesial, de modo que a referência à liberdade e à novidade do Espírito seja oportunamente coordenada com o evento de Jesus Cristo que aconteceu «de uma vez para sempre» (Heb 10,10). Isto requer, antes de mais, que se esclareça qual a relação entre a escuta da Palavra de Deus atestada na Escritura, o acolhimento da Tradição e do magistério da Igreja e a leitura profética dos sinais dos tempos.

g)

Para este objetivo, é fundamental que se promova visões antropológicas e espirituais capazes de integrar e não justapor a dimensão intelectual e a emotiva da experiência de fé, superando todo o tipo de reducionismo e de dualismo entre razão e sentimento.

h)

É importante esclarecer como é que a conversação no Espírito pode integrar os contributos do pensamento teológico e as ciências humanas e sociais, também à luz de outros modelos de discernimento eclesial que são realizados seguindo a cadência do “ver, julgar, agir” ou articulando os passos do “reconhecer, interpretar, eleger”.

i)

Há que desenvolver o contributo que a lectio divina e as várias tradições espirituais, antigas e recentes, podem trazer à prática do discernimento. Com efeito, é oportuno valorizar a pluralidade de formas e de estilos, de métodos e de critérios que o Espírito Santo sugeriu ao longo dos séculos e que fazem parte do património espiritual da Igreja.

Propostas

j)

Faz-se a proposta de experimentar e adaptar a conversação no Espírito e outras formas de discernimento na vida das Igrejas, valorizando, de acordo com as culturas e os contextos, a riqueza das várias tradições espirituais. Formas oportunas de acompanhamento podem facilitar esta prática, ajudando a captar a sua lógica e a superar eventuais resistências.

k)

Que cada Igreja local se dote de pessoas idóneas e preparadas para facilitar e acompanhar processos de discernimento eclesial.

10

l)

É importante que a prática do discernimento seja realizada também em âmbito pastoral, de modo adequado aos contextos, para iluminar a concretude da vida eclesial. Com esta prática será possível reconhecer melhor os carismas presentes na comunidade, confiar com sabedoria tarefas e ministérios, projetar à luz do Espírito os caminhos pastorais, indo para além da simples programação de atividades.

3. Entrar numa comunidade de fé: a iniciação cristã

Convergências

a)

A iniciação cristã é o itinerário através do qual o Senhor, mediante o ministério da Igreja, nos introduz na fé pascal e nos insere na comunhão trinitária e eclesial. Este itinerário conhece uma significativa variedade de formas, tendo em conta a idade em que é feito e as diferentes acentuações próprias das tradições orientais e da tradição ocidental. No entanto, nele se cruzam sempre a escuta da Palavra e a conversão da vida, a celebração litúrgica e a inserção na comunidade e na sua missão. É precisamente por esta razão que o percurso catecumenal, com a gradualidade das suas etapas e das suas passagens, é o paradigma de todo o caminhar juntos eclesial.

b)

A iniciação coloca em contacto com uma grande variedade de vocações e de ministérios eclesiais. Neles se exprime o rosto materno de uma Igreja que ensina os seus filhos a caminhar, caminhando com eles. Escuta-os e, enquanto responde às suas dúvidas e às suas perguntas, enriquece-se com a novidade que cada pessoa traz em si mesma, com a sua história, a sua língua e a sua cultura. Na prática desta ação pastoral, a comunidade cristã experimenta a primeira forma de sinodalidade, muitas vezes sem estar totalmente consciente disso.

c)

Antes de qualquer distinção de carismas e de ministérios, «todos nós fomos batizados num só Espírito, para sermos um só corpo» (1Cor 12,13). Por esta mesma razão, entre todos os batizados há uma igualdade autêntica de dignidade e uma responsabilidade comum pela missão, de acordo com a vocação de cada um. Pela unção do Espírito, que «ensina todas as coisas» (1Jo 2,27), todos os crentes possuem um instinto para a verdade do Evangelho, chamado sensus fidei. Este consiste numa certa conaturalidade com as realidades divinas e na aptidão para perceber intuitivamente aquilo que é conforme à verdade da fé. Os processos sinodais valorizam este dom e permitem verificar a existência daquele consenso dos fiéis (consensus fidelium) que constitui um critério seguro para determinar se uma doutrina ou uma prática particulares pertencem à fé apostólica.

d)

A Confirmação, de certa forma, faz da graça do Pentecostes um dom perene na Igreja. Ela enriquece os fiéis com a abundância dos dons do Espírito e chama-os a desenvolver a sua vocação específica, radicada na dignidade batismal comum, ao serviço da missão. A sua importância deve ser mais evidenciada e colocada em relação com a variedade de carismas e ministérios que desenham o rosto sinodal da Igreja.

e)

A celebração da Eucaristia, sobretudo ao domingo, é a forma primeira e fundamental com a qual o Santo Povo de Deus se reúne e se encontra. Onde não for possível celebrá-la, a comunidade, mesmo desejando-a, recolhe-se à volta da celebração da Palavra. Na Eucaristia celebramos um mistério de graça do qual não somos nós mesmos os artífices. Chamando-nos a participar do seu Corpo e do seu Sangue, o Senhor torna-nos um só corpo entre e nós e com Ele. Partindo do uso que Paulo faz do termo koinonia (cf. 1Cor 10,16-17), a tradição cristã guardou a palavra

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“comunhão” para indicar ao mesmo tempo a plena participação na Eucaristia e na natureza das

relações entre os fiéis e entre as Igrejas. Este termo, por um lado, abre-nos à contemplação da vida divina, até às profundidades insondáveis do mistério trinitário; por outro lado, remete-nos para a quotidianidade das nossas relações: nos gestos mais simples com os quais nos abrimos uns aos outros circula realmente o sopro do Espírito. Por isto mesmo, a comunhão celebrada na Eucaristia e que dela brota configura e orienta os percursos da sinodalidade.

f)

A partir da Eucaristia aprendemos a articular unidade e diversidade: unidade da Igreja e multiplicidade das comunidades cristãs; unidade do mistério sacramental e variedade das tradições litúrgicas; unidade da celebração e diversidade das vocações, dos carismas e dos ministérios. Nada mais do que a Eucaristia mostra que a harmonia criada pelo Espírito não é uniformidade e que cada dom eclesial se destina à edificação comum.

Questões a aprofundar

g)

O sacramento do Batismo não pode ser compreendido de maneira isolada, fora da lógica da iniciação cristã, e muito menos de maneira individualista. Portanto, é necessário aprofundar ulteriormente o contributo para a compreensão da sinodalidade que pode vir de uma visão mais unitária da iniciação cristã.

h)

O amadurecimento do sensus fidei exige não só que se tenha recebido o Batismo, mas também que se desenvolva a graça do sacramento numa vida de autêntico discipulado, que habilite para distinguir a ação do Espírito daquilo que é expressão do pensamento dominante, fruto de condicionamentos culturais ou, em todo o caso, não coerente com o Evangelho. Trata-se de um tema que deve ser aprofundado com uma adequada reflexão teológica.

i)

A reflexão sobre a sinodalidade pode oferecer linhas de renovação para a compreensão da Confirmação, com a qual a graça do Espírito articula na harmonia do Pentecostes a variedade dos dons e dos carismas. À luz das várias experiências eclesiais, há que estudar o modo para tornar mais frutífera a preparação e a celebração deste sacramento, de forma a despertar em todos os fiéis o chamamento à edificação da comunidade, à missão no mundo e ao testemunho da fé.

j)

Sob o perfil teológico-pastoral é importante prosseguir a pesquisa sobre o modo em que a lógica catecumenal pode iluminar outros percursos pastorais, como o da preparação para o matrimónio, ou do acompanhamento para fazer opções de compromissos de tipo profissional e social, ou da própria formação para o ministério ordenado, no qual toda a comunidade eclesial deve ser envolvida.

Propostas

k)

Se a Eucaristia dá forma à sinodalidade, o primeiro passo a dar é honrar a sua graça, com um estilo celebrativo à altura do dom e com uma autêntica fraternidade. A liturgia celebrada com autenticidade é a primeira e fundamental escolha de discipulado e de fraternidade. Antes de qualquer iniciativa nossa de formação, devemos deixar-nos formar pela sua poderosa beleza e pela nobre simplicidade dos seus gestos.

l)

Um segundo passo refere-se à exigência, assinalada por várias partes, de tornar a linguagem litúrgica mais acessível aos fiéis e mais encarnada na diversidade das culturas. Sem colocar em discussão a continuidade com a tradição e a necessidade de formação litúrgica, solicita-se uma reflexão sobre este tema e a atribuição de maior responsabilidade às Conferências Episcopais, na linha do Motu proprio Magnum principium.

12

m)

Um terceiro passo consiste no esforço pastoral por valorizar todas as formas de oração comunitária, sem se limitar apenas à celebração da Missa. Outras expressões da oração litúrgica, como também as práticas da piedade popular, na qual se espelha o génio das culturas locais, são elementos de grande importância para favorecer o envolvimento de todos os fiéis, para introduzir gradualmente no mistério cristão e para aproximar ao encontro com o Senhor quem tiver menos familiaridade com a Igreja. Entre as formas de piedade popular, destaca-se particularmente a devoção mariana, pela sua capacidade de sustentar e alimentar a fé de muitas pessoas.

4. Os pobres, protagonistas do caminho da Igreja

Convergências

a)

À Igreja os pobres pedem amor. Por amor entende-se respeito, acolhimento e reconhecimento, sem os quais dar alimentos, dinheiro ou prestar serviços sociais representa uma forma de assistência certamente importante, mas que não se encarrega plenamente da dignidade da pessoa. Respeito e reconhecimento são instrumentos poderosos de ativação das capacidades pessoais, de modo que cada um seja sujeito do seu próprio percurso de crescimento e não objeto da ação assistencial de outros.

b)

A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica: Jesus, pobre e humilde, travou amizade com os pobres, caminhou com os pobres, partilhou a mesa com os pobres e denunciou as causas da pobreza. Para a Igreja, a opção pelos pobres e descartados é uma categoria teológica ainda antes de ser cultural, sociológica, política ou filosófica. Para São João Paulo II, é aos pobres que Deus concede em primeiro lugar a sua misericórdia. Esta preferência divina tem consequências na vida de todos os cristãos, chamados a nutrir «os mesmos sentimentos de Cristo Jesus» (Flp 2,5).

c)

Não há apenas um tipo de pobreza. Entre os múltiplos rostos dos pobres há os de todos aqueles que não têm o necessário para levar uma vida com dignidade. Depois, há os dos migrantes e refugiados; povos indígenas, originários e afrodescendentes; os que sofrem violência e abuso, de modo particular as mulheres; pessoas com dependências; minorias às quais é sistematicamente negado o direito a ter voz; idosos abandonados; vítimas do racismo, da exploração e do tráfico, de modo particular menores de idade; trabalhadores explorados; pessoas economicamente excluídas e outras que vivem nas periferias. Os mais vulneráveis entre os vulneráveis, a favor dos quais é necessária uma constante ação de defesa, são as crianças no ventre materno e as suas mães. A Assembleia está consciente do clamor dos “novos pobres”, produto das guerras e do terrorismo que martirizam muitos países em diferentes continentes, e condena os sistemas políticos e económicos corruptos que são a sua causa.

d)

A par das múltiplas formas de pobreza material, o nosso mundo conhece também as formas da pobreza espiritual, entendida como falta de sentido para a vida. Uma excessiva preocupação consigo mesmo pode levar a encarar os outros como uma ameaça e a fechar-se no individualismo. Como foi notado, as pobrezas materiais e as pobrezas espirituais, quando se aliam, podem encontrar as respostas às necessidades uma da outra. Este é um modo de caminhar juntos que torna concreta a perspetiva da Igreja sinodal que nos revelará o sentido mais pleno da bem-aventurança evangélica: «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3).

13

e)

Estar ao lado dos pobres significa comprometer-se com eles também no cuidado da nossa casa comum: o clamor da terra e o clamor dos pobres são o mesmo clamor. A falta de reações faz da crise ecológica e, particularmente, das alterações climáticas uma ameaça para a sobrevivência da humanidade, como sublinha a Exortação apostólica Laudate Deum, publicada pelo Papa Francesco em concomitância com a abertura dos trabalhos da Assembleia sinodal. As Igrejas dos países expostos às consequências das alterações climáticas têm consciência viva da urgência de uma mudança de rumo e isto representa um seu contributo para o caminho das outras Igrejas do planeta.

f)

O compromisso da Igreja deve chegar às causas da pobreza e da exclusão. Isto engloba a ação para tutelar os direitos dos pobres e dos excluídos, e pode exigir a denúncia pública das injustiças, sejam elas perpetradas por indivíduos, governos, empresas ou estruturas da sociedade. É por isso que é fundamental a escuta das suas instâncias e do seu ponto de vista, para lhes emprestar a voz, usando as suas palavras.

g)

Os cristãos têm o dever de esforçar-se por participar ativamente na construção do bem comum e na defesa da dignidade da vida, inspirando-se na doutrina social da Igreja e agindo de diversas formas (compromisso nas organizações da sociedade civil, nos sindicatos, nos movimentos populares, no associativismo de base, no campo da política, etc.). A Igreja exprime uma profunda gratidão pela sua ação. As comunidades sustentam todos os que atuam nestes campos num autêntico espírito de caridade e de serviço. A sua ação é parte da missão da Igreja de anunciar o Evangelho e de colaborar para o advento do Reino de Deus.

h)

Nos pobres a comunidade cristã encontra o rosto e a carne de Cristo, que sendo rico fez-se pobre por nossa causa, para que, pela sua pobreza, nos tornássemos ricos (cf. 2Cor 8,9). Ela é chamada não apenas a tornar-se próxima deles, mas a aprender com eles. Se fazer sínodo significa caminhar juntamente com Aquele que é o caminho, uma Igreja sinodal precisa de colocar os pobres no centro de todos os aspetos da sua própria vida: através dos seus sofrimentos têm um conhecimento direto de Cristo que sofre (cf. Evangelii gaudium, n. 198). A semelhança da sua vida com a do Senhor torna os pobres anunciadores de uma salvação recebida em oferta e testemunhas da alegria do Evangelho.

Questões a aprofundar

i)

Nalgumas partes do mundo, a Igreja é pobre, com os pobres e para os pobres. Existe o risco constante, que deve ser evitado com cuidado, de considerar os pobres em termos de “eles” e “nós”, como “objetos” da caridade da Igreja. Colocar os pobres no centro e aprender com eles é algo que a Igreja deve fazer cada vez mais.

j)

A denúncia profética das situações de injustiça e a ação de pressão em relação aos decisores políticos, que exige o recurso em forma de diplomacia, devem ser mantidas em tensão dinâmica para não se perder a lucidez e a fecundidade. De modo particular, é preciso vigiar para que o uso de fundos públicos ou privados por parte das estruturas da Igreja não condicione a liberdade de falar em nome das exigências do Evangelho.

k)

A ação nos campos da educação, da saúde e da assistência social, sem qualquer discriminação ou exclusão de ninguém, é um sinal evidente de uma Igreja que promove a integração e a participação dos últimos, dentro dela mesma e na sociedade. As organizações ativas neste campo são convidadas a considerar-se expressão da comunidade cristã e a evitar um estilo impessoal de viver a caridade. São solicitadas também a construir redes e a coordenar-se.

14

l)

A Igreja deve ser honesta ao examinar a forma como respeita as exigências da justiça em relação àqueles que trabalham nas instituições a ela ligadas, para testemunhar com integridade a sua coerência.

m)

Numa Igreja sinodal, o sentido de solidariedade joga-se também ao nível da permuta de dons e da partilha de recursos entre Igrejas locais de diferentes regiões. Trata-se de relações que favorecem a unidade da Igreja, criando laços entre as comunidades cristãs envolvidas. É preciso evidenciar bem quais as condições a garantir, para que os presbíteros que vêm ajudar as Igrejas pobres de clero não sejam apenas um remédio funcional, mas um recurso para o crescimento da Igreja que os envia e da que os recebe. Da mesma forma, é necessário trabalhar para que as ajudas económicas não degenerem em assistencialismo, mas promovam uma autêntica solidariedade evangélica e sejam geridas de modo transparente e confiável.

Propostas

n)

A doutrina social da Igreja é um recurso demasiado pouco conhecido, no qual é necessário voltar a investir. Que as Igrejas locais se esforcem não só por tornar os seus conteúdos mais conhecidos, mas também por favorecer que as pessoas dela se apropriem através de práticas que dão vida à sua inspiração.

o)

Que a experiência do encontro, da partilha de vida e do serviço aos pobres e aos marginalizados se torne parte integrante de todos os percursos formativos oferecidos pelas comunidades cristãs: trata-se de uma exigência da fé, não de uma opção. Isto vale em particular para os candidatos ao ministério ordenado e à vida consagrada.

p)

No âmbito do repensamento do ministério diaconal, promova-se uma orientação mais decidida desse ministério ao serviço dos pobres.

q)

Integrem-se de maneira mais explícita e atenta no ensino, na liturgia e nas práticas da Igreja os fundamentos bíblicos e teológicos da ecologia integral.

5. Uma Igreja de «toda a tribo, língua, povo e nação»

Convergências

a)

Os cristãos vivem inseridos em culturas específicas, levando Cristo na Palavra e no Sacramento para dentro delas. Comprometendo-se no serviço da caridade, acolhem com humildade e alegria o mistério de Cristo que já os espera em cada lugar e em cada tempo. Deste modo, tornam-se uma Igreja de «toda a tribo, língua, povo e nação» (Ap 5,9).

b)

Os contextos culturais, históricos e regionais em que a Igreja está presente revelam diferentes necessidades espirituais e materiais. Isto plasma a cultura das Igrejas locais, as suas prioridades missionárias, as preocupações e os dons que cada uma delas traz para o diálogo sinodal, e as linguagens com as quais se exprime. Durante os dias da Assembleia pudemos fazer experiência direta, e na maior parte das vezes alegre, da pluralidade das expressões do ser Igreja.

c)

As Igrejas vivem em contextos cada vez mais multiculturais e multirreligiosos, em que é essencial o compromisso de viver no diálogo entre religião e cultura juntamente com os outros grupos que constituem a sociedade. Viver a missão da Igreja nestes contextos requer um estilo de presença, serviço e anúncio que procure construir pontes, cultivar a compreensão recíproca e

15

comprometer

-se numa evangelização que acompanha, escuta e aprende. Várias vezes na Assembleia ressoou a imagem de “descalçar as sandálias” para ir ao encontro do outro de igual para igual, em sinal de humildade e respeito por um espaço sagrado.

d)

Os movimentos migratórios são uma realidade que remodela as Igrejas locais como comunidades interculturais. Muitas vezes, os migrantes e os refugiados, muitos dos quais transportam consigo as feridas do desenraizamento, da guerra e da violência, tornam-se uma fonte de renovação e de enriquecimento para as comunidades que os acolhem e uma ocasião para estabelecer um laço direto com Igrejas geograficamente distantes. Diante de atitudes cada vez mais hostis em relação aos migrantes, somos chamados a praticar um acolhimento aberto, a acompanhá-los na construção de um novo projeto de vida e a construir uma verdadeira comunhão intercultural entre os povos. O respeito pelas tradições litúrgicas e pelas práticas religiosas dos migrantes é parte integrante de um autêntico acolhimento.

e)

Os missionários deram a vida para levar a Boa Nova a todo o mundo. O seu compromisso dá um eloquente testemunho da força do Evangelho. Contudo, são necessárias uma atenção e uma sensibilidade particulares em contextos nos quais “missão” é uma palavra carregada de um património histórico doloroso, que hoje serve de obstáculo à comunhão. Nalguns lugares, o anúncio do Evangelho foi associado à colonização e até ao genocídio. Evangelizar nestes contextos exige que se reconheça os erros realizados, que se assimile uma nova sensibilidade a estas problemáticas e que se acompanhe uma geração que procura forjar identidades cristãs para lá do colonialismo. O respeito e a humildade são atitudes fundamentais para reconhecer que nos completamos reciprocamente e que o encontro com culturas diferentes pode enriquecer a forma como as comunidades cristãs vivem e pensam a fé.

f)

A Igreja ensina a necessidade e encoraja a prática do diálogo inter-religioso como parte da construção da comunhão entre todos os povos. Num mundo de violência e fragmentação, parecer ser cada vez mais urgente um testemunho da unidade da humanidade, da sua origem comum e do seu destino comum, numa solidariedade coordenada e fraterna rumo à justiça social, à paz, à reconciliação e ao cuidado da casa comum. A Igreja tem consciência de que o Espírito pode falar através das vozes de homens e mulheres de todas as religiões, convicções e culturas.

Questões a aprofundar

g)

É necessário cultivar a sensibilidade para a riqueza da variedade das expressões do ser Igreja. Isto requer que se procure um equilíbrio dinâmico entre a dimensão da Igreja no seu conjunto e o seu enraizamento local, entre o respeito pelo vínculo da unidade da Igreja e o risco da homogeneização que sufoca a variedade. Os significados e as prioridades variam entre diferentes contextos e isto requer que se identifique e se promova formas de descentramento e instâncias intermédias.

h)

Também a Igreja é atingida pela polarização e pela desconfiança em âmbitos cruciais, como a vida litúrgica e a reflexão moral, social e teológica. Devemos reconhecer as causas através do diálogo e levar a cabo processos corajosos de revitalização da comunhão e de reconciliação para as superar.

i)

Nas nossas Igrejas locais, por vezes, experimentamos tensões entre as diferentes modalidades de entender a evangelização, que se focam no testemunho de vida, no compromisso com a promoção humana, no diálogo com as fés e as culturas e no anúncio explícito do Evangelho. Emerge igualmente uma tensão entre o anúncio explícito de Jesus Cristo e a valorização das caraterísticas de cada cultura à procura dos traços evangélicos (semina Verbi) que já contém.

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j)

Entre as questões que devem ser aprofundadas foi indicada a possível confusão entre a mensagem do Evangelho e a cultura do evangelizador.

k)

Os conflitos que se estendem, com o comércio e o uso de armas cada vez mais potentes, abre a questão, levantada em diversos grupos, de uma reflexão e de uma formação mais cuidadas para a gestão de conflitos de modo não violento. Trata-se de um contributo qualificado que os cristãos podem oferecer ao mundo de hoje, também em diálogo e em colaboração com outras religiões.

Propostas

l)

É necessária uma renovada atenção à questão das linguagens que utilizamos para falar às mentes e aos corações das pessoas numa grande diversidade de contextos, num modo que seja acessível e belo.

m)

Em vista da experimentação de formas de descentramento, é preciso definir um quadro de referência partilhado para as gerir e avaliar, identificando todos os agentes envolvidos e as respetivas funções. Por exigências de coerência, os processos de discernimento em matéria de descentramento devem acontecer em estilo sinodal, prevendo o concurso e o contributo de todos os agentes envolvidos aos vários níveis.

n)

São necessários novos paradigmas para o serviço pastoral com as populações indígenas, na linha de um caminho conjunto e não de uma ação feita a eles ou para eles. A sua participação nos processos de decisão a todos os níveis pode contribuir para uma Igreja mais vibrante e missionária.

o)

Dos trabalhos da Assembleia, emerge o pedido de um melhor conhecimento dos ensinamentos do Vaticano II, do magistério pós-conciliar e da doutrina social da Igreja. Precisamos de conhecer melhor as nossas diferentes tradições para ser mais claramente uma Igreja de Igrejas em comunhão, eficaz no serviço e no diálogo.

p)

Num mundo em que aumenta o número de migrantes e refugiados, e em que, por outro lado, diminui a disponibilidade para os acolher, e em que o estrangeiro é visto com uma crescente suspeita, é oportuno que a Igreja se comprometa decididamente na educação à cultura do diálogo e do encontro, combatendo o racismo e a xenofobia, particularmente nos programas de formação pastoral. É igualmente necessário comprometer-se em projetos de integração dos migrantes.

q)

Recomendamos um renovado compromisso no diálogo e no discernimento em matéria de justiça racial. É necessário identificar os sistemas que criam ou mantêm a injustiça racial dentro da Igreja e combatê-los. Que se dê vida a processos de cura e de reconciliação para erradicar o pecado do racismo, com a ajuda daqueles que sofrem as suas consequências.

6. Tradições das Igrejas orientais e da Igreja latina

Convergências

a)

Entre as Igrejas orientais, as que estão em plena comunhão com o sucessor de Pedro gozam de uma peculiaridade litúrgica, teológica, eclesiológica e canónica que enriquece muito toda a Igreja. De modo particular, a sua experiência de unidade na diversidade pode dar um precioso contributo para a compreensão e para a prática da sinodalidade.

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b)

Ao longo da história, o nível de autonomia garantido a estas Igrejas conheceu diferentes fases e registou também comportamentos hoje considerados superados, como a latinização. Nas últimas décadas, o caminho de reconhecimento da especificidade, distinção e autonomia dessas Igrejas teve um notável desenvolvimento.

c)

A consistente migração de fiéis do Oriente católico para territórios de maioria latina coloca questões pastorais importantes. Se o fluxo atual continuar ou crescer, poderia haver mais membros das Igrejas orientais católicas na diáspora do que nos territórios canónicos. Por vários motivos, a constituição de hierarquias orientais nos países de imigração não é suficiente para resolver o problema, mas é necessário que as Igrejas locais de rito latino, em nome da sinodalidade, ajudem os fiéis orientais emigrados a preservar a sua identidade e a cultivar o seu património específico, sem sofrer processos de assimilação.

Questões a aprofundar

d)

Há que estudar ulteriormente o contributo que a experiência das Igrejas orientais católicas pode oferecer à compreensão e à prática da sinodalidade.

e)

Permanecem algumas dificuldades a propósito do assentimento por parte do Papa aos Bispos eleitos pelos Sínodos das Igrejas sui iuris para o seu território e a propósito da nomeação papal dos Bispos fora do território canónico. Também o pedido de estender a jurisdição dos Patriarcas para fora do território patriarcal é objeto de discernimento no diálogo com a Santa Sé.

f)

Nas regiões em que estão presentes fiéis de Igrejas católicas diferentes, é necessário encontrar modalidades que tornem visível e experimentável uma efetiva unidade na diversidade.

g)

É necessário refletir sobre o contributo que as Igrejas orientais católicas podem dar ao caminho para a unidade entre todos os cristãos e sobre o papel que podem desempenhar no diálogo inter-religioso e intercultural.

Propostas

h)

Emerge, antes de mais, o pedido de instituir um Conselho dos Patriarcas e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais Católicas junto do Santo Padre.

i)

Alguns pedem que se convoque o Sínodo Especial dedicado às Igrejas Orientais Católicas, à sua identidade e missão, bem como aos desafios pastorais e canónicos em contexto de guerra e de migrações massivas.

j)

Faz-se a proposta de formar uma comissão conjunta de teólogos, historiadores e canonistas orientais e latinos para estudar as questões que precisam de ser aprofundadas e lançar propostas para prosseguir o caminho.

k)

Que nos dicastérios da Cúria romana haja uma representação adequada de membros das Igrejas Orientais Católicas para enriquecer toda a Igreja com o contributo da sua perspetiva, favorecer a solução dos problemas relevados e participar no diálogo aos diferentes níveis.

l)

Para favorecer formas de acolhimento que respeitem o património dos fiéis das Igrejas Orientais é oportuno intensificar as relações entre o clero oriental na diáspora e o latino e promover o conhecimento recíproco e o reconhecimento das respetivas tradições.

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7. Em caminho rumo à unidade dos cristãos

Convergências

a)

Esta sessão da Assembleia sinodal foi aberta sob o sinal do ecumenismo. A vigília de oração “Together” contou com a presença, ao lado do Papa Francisco, de numerosos outros chefes e representantes de diferentes Comunhões cristãs: sinal claro e credível da vontade de caminhar juntos no espírito da unidade da fé e da permuta de dons. Também este acontecimento, altamente significativo, permitiu que reconhecêssemos que nos encontramos num kairos ecuménico e que reafirmássemos que o que nos une é maior do que nos divide. Em comum temos, efetivamente, «um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que está acima de todos, que atua por meio de todos, e que em todos está presente» (Ef 4,5-6).

b)

Justamente o Batismo, que está no princípio da sinodalidade, constitui também o fundamento do ecumenismo. Através dele, todos os cristãos participam no sensus fidei e, por essa mesma razão, devem ser escutados com atenção, independentemente da sua tradição, como a Assembleia sinodal fez no seu processo de discernimento. Não pode haver sinodalidade sem a dimensione ecuménica.

c)

O ecumenismo é, antes de mais, uma questão de renovação espiritual e exige também processos de arrependimento e de cura da memória. Na Assembleia ecoaram testemunhos iluminantes de cristãos de diferentes tradições eclesiais que partilham a amizade, a oração e, sobretudo, o compromisso com o serviço dos pobres. A dedicação aos últimos cimenta os laços e ajuda a concentrar-se naquilo que já une todos os crentes em Cristo. Por isso, é importante que o ecumenismo se desenvolva, antes de mais, na vida quotidiana. No diálogo teológico e institucional, prossegue a paciente tecedura da compreensão recíproca num clima de crescente confiança e abertura.

d)

Em não poucas regiões do mundo, existe, sobretudo, o ecumenismo de sangue: cristãos de pertença diversa que, juntos, dão a vida pela fé em Jesus Cristo. O testemunho do seu martírio é mais eloquente que qualquer palavra: a unidade vem da Cruz do Senhor.

e)

A colaboração entre todos os cristãos constitui também um elemento fundamental para fazer frente aos desafios pastorais do nosso tempo: nas sociedades secularizadas permite dar mais força à voz do Evangelho, em contextos de pobreza faz unir as forças ao serviço da justiça, da paz e da dignidade dos últimos. Sempre e por toda a parte, é um recurso fundamental para sanar a cultura do ódio, da divisão e da guerra que contrapõe grupos, povos e nações.

f)

Os casamentos entre cristãos que pertencem a diferentes Igrejas ou comunidades eclesiais (matrimónios mistos) constituem realidades em que pode amadurecer a sabedoria da comunhão e em que nos podemos evangelizar reciprocamente.

Questões a aprofundar

g)

A nossa Assembleia pôde perceber a diversidade, entre as confissões cristãs no mundo, no modo de compreender a configuração sinodal da Igreja. Nas Igrejas Ortodoxas, a sinodalidade é entendida em sentido estrito como expressão do exercício colegial da autoridade própria apenas dos Bispos (o Santo Sínodo). Em sentido lato, refere-se à participação ativa de todos os fiéis na vida e na missão da Igreja. Não faltaram referências às práticas em uso nas outras comunidades eclesiais, que enriqueceram o nosso debate. Tudo isto requer aprofundamentos ulteriores.

h)

Outro tema a aprofundar diz respeito ao nexo entre sinodalidade e primado aos vários níveis (local, regional, universal), na sua interdependência recíproca. Isto exige que se proceda a uma

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releitura partilhada da história, para superar lugares

-comuns e preconceitos. Os diálogos ecuménicos em curso permitiram compreender melhor, à luz das práticas do primeiro milénio, que sinodalidade e primado são realidades correlativas, complementares e inseparáveis. O esclarecimento deste ponto delicado reflete-se no modo de entender o ministério petrino ao serviço da unidade, segundo quanto foi auspicado por São João Paulo II na Encíclica Ut unum sint.

i)

Há que examinar ulteriormente sob o perfil teológico, canónico e pastoral a questão da hospitalidade eucarística (communicatio in sacris), à luz do nexo entre comunhão sacramental e eclesial. Este tema é particularmente sentido pelos casais interconfessionais. Remete também para uma reflexão mais amplas sobre os matrimónios mistos.

j)

Foi solicitada também uma reflexão sobre o fenómeno das comunidades “não denominacionais” e dos movimentos de “despertar” de inspiração cristã, a que aderem em grande número também fiéis que, na origem, eram católicos.

Propostas

k)

Em 2025 ocorre o aniversário do Concílio de Niceia (325), no qual foi elaborado o símbolo da fé que une todos os cristãos. Uma comemoração comum deste acontecimento ajudar-nos-á a compreender melhor como é que, no passado, as questões controversas eram discutidas e resolvidas em conjunto em Concílio.

l)

No mesmo ano de 2025, providencialmente, a data da solenidade da Páscoa coincidirá para todas as denominações cristãs. A Assembleia exprimiu um vivo desejo de conseguir encontrar uma data comum para a festa da Páscoa, de modo a poder celebrar no mesmo dia a ressurreição do Senhor, nossa vida e nossa salvação.

m)

Deseja-se também continuar a envolver os cristãos de outras confissões nos processos sinodais católicos a todos os níveis e convidar um maior número de delegados fraternos para a próxima sessão da Assembleia em 2024.

n)

Foi lançada por alguns a proposta de convocar um Sínodo ecuménico sobre a missão comum no mundo contemporâneo.

o)

Volta-se a fazer a proposta de compilar um martirológio ecumênico.

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PARTE II – TODOS DISCÍPULOS, TODOS MISSIONÁRIOS

8. A Igreja é missão

Convergências

a)

Mais que dizer que a Igreja tem uma missão, afirmamos que a Igreja é missão. «Como o Pai me enviou, também Eu vos envio» (Jo 20,21): a Igreja recebe de Cristo, o Enviado do Pai, a sua própria missão. Sustentada e guiada pelo Espírito Santo, ela anuncia e testemunha o Evangelho a todos os que não o conhecem ou não o acolhem, com essa opção preferencial pelos pobres que está radicada na missão de Jesus. Deste modo concorre para o advento do Reino de Deus, do qual «constitui o germe e o princípio» (cf. LG 5).

b)

Os sacramentos da iniciação cristã conferem a todos os discípulos de Jesus a responsabilidade da missão da Igreja. Leigos e leigas, consagradas e consagrados, e ministros ordenados têm igual dignidade. Receberam carismas e vocações diversas e exercem papéis e funções diferentes, todos eles chamados e nutridos pelo Espírito Santo para formar um só corpo em Cristo. Todos discípulos, todos missionários, na vitalidade fraterna de comunidades locais que experimentam a suave e confortante alegria de evangelizar. O exercício da corresponsabilidade é essencial para a sinodalidade e é necessário a todos os níveis da Igreja. Todo o cristão é uma missão neste mundo.

c)

A família é coluna de suporte de cada comunidade cristã. Os pais, os avós e todos os que vivem e partilham a sua fé em família são os primeiros missionários. A família, enquanto comunidade de vida e de amor, é um lugar privilegiado de educação à fé e à prática cristã, que necessita de um particular acompanhamento dentro das comunidades. É necessário apoiar sobretudo os pais que devem conciliar o trabalho, mesmo dentro da comunidade eclesial e no serviço da sua missão, com as exigências da vida familiar.

d)

Se a missão é graça que empenha toda a Igreja, os fiéis leigos contribuem de modo vital para a realizar em todos os ambientes e nas situações mais ordinárias de cada dia. São, sobretudo, eles que tornam presente a Igreja e que anunciam o Evangelho na cultura do ambiente digital, que tem um impacto tão forte em todo o mundo, nas culturas juvenis, no mundo do trabalho, da economia e da política, das artes e da cultura, da pesquisa científica, da educação e da formação, no cuidado da casa comum e, de modo particular, na participação na vida pública. No lugar onde estão presentes, eles são chamados a testemunhar Jesus Cristo na vida quotidiana e a partilhar explicitamente a fé com outros. De modo particular, os jovens, com os seus dons e as suas fragilidades, enquanto crescem na amizade com Jesus, fazem-se apóstolos do Evangelho entre os seus contemporâneos.

e)

Os fiéis leigos são cada vez mais presentes e ativos também no serviço dentro das comunidades cristãs. Muitos deles organizam e animam comunidades pastorais, prestam serviço como educadores da fé, teólogos e formadores, animadores espirituais e catequistas, e participam em vários organismos paroquiais e diocesanos. Em muitas regiões, a vida das comunidades cristãs e a missão da Igreja articulam-se na figura dos catequistas. Além disso, os leigos prestam serviço no âmbito da proteção (safeguarding) e da administração. O seu contributo é indispensável para a missão da Igreja; por isso mesmo, é preciso cuidar de que obtenham as competências necessárias.

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f)

Os carismas dos leigos, na sua variedade, são dons do Espírito Santo à Igreja que devem ser realçados, reconhecidos e valorizados a pleno título. Nalgumas situações pode acontecer que os leigos sejam chamados a suprir à carência de sacerdotes, com o risco de que o caráter propriamente laical do seu apostolado acabe diminuído. Noutros contextos, pode acontecer que os presbíteros façam tudo e os carismas e os ministérios dos leigos sejam ignorados ou subutilizados. Sente-se ainda o perigo, expresso por muitos na Assembleia, de “clericalizar” os leigos, criando uma espécie de élite laical que perpetua as desigualdades e as divisões no Povo de Deus.

g)

A prática da missão ad gentes dá corpo a um enriquecimento recíproco das Igrejas, porque não envolve apenas os missionários, mas toda a comunidade, que é estimulada à oração, à partilha dos bens e ao testemunho. Mesmo as Igrejas pobres de clero não devem renunciar a este esforço, ao passo que aquelas onde há mais florescimento de vocações ao ministério ordenado podem abrir-se à cooperação pastoral, numa lógica genuinamente evangélica. Todos os missionários – leigos e leigas, consagradas e consagrados, diáconos e presbíteros, em particular os membros de institutos missionários e os missionários fidei donum – em virtude da sua vocação específica, são um recurso importante para criar laços de conhecimento e de permuta de dons.

h)

A missão da Igreja é continuamente renovada e alimentada pela celebração da Eucaristia, de modo particular quando se coloca em primeiro plano o seu caráter comunitário e missionário.

Questões a aprofundar

i)

É necessário continuar a aprofundar a compreensão teológica das relações entre carismas e ministérios em perspetiva missionária.

j)

O Vaticano II e o magistério sucessivo apresentam a missão distintiva dos leigos em termos de santificação das realidades temporais ou seculares. Todavia, no concreto da prática pastoral, a nível paroquial, diocesano e, recentemente, também universal, cada vez mais se confia a leigos cargos e ministérios dentro da Igreja. A reflexão teológica e as disposições canónicas devem ser conciliadas com estes importantes desenvolvimentos e esforçar-se por evitar dualismos que poderiam comprometer a perceção da unidade da missão da Igreja.

k)

Na promoção da corresponsabilidade de todos os batizados pela missão, reconhecemos as capacidades apostólicas das pessoas com deficiência. Desejamos valorizar o contributo à evangelização que vem da imensa riqueza de humanidade que transportam consigo. Reconhecemos as suas experiências de sofrimento, marginalização, discriminação, por vezes sofridas até no interior da própria comunidade cristã.

l)

Há que reorganizar as estruturas pastorais, de modo a ajudar as comunidades a fazer emergir, reconhecer e animar os carismas e os ministérios laicais, inserindo-os no dinamismo missionário da Igreja sinodal. Guiadas pelos seus pastores, as comunidades serão capazes de enviar e apoiar aqueles que enviaram. Entender-se-ão, portanto, principalmente ao serviço da missão que os fiéis levam por diante no interior da sociedade, na vida familiar e laboral, sem se concentrar exclusivamente nas atividades que se desenrolam no seu interior e nas suas necessidades organizativas.

m)

A expressão “uma Igreja toda ministerial”, utilizada no Instrumentum laboris, pode prestar-se a falsas interpretações. Aprofunde-se o seu significado, para esclarecer eventuais ambiguidades.

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Propostas

n)

Percebe-se a necessidade de uma maior criatividade na instituição de ministérios tendo por base as exigências das Igrejas locais, envolvendo de modo particular os jovens. Pode-se pensar em ampliar ainda mais as tarefas atribuídas ao ministério instituído do leitor, que, já hoje, não se limitam ao papel que desempenham durante as liturgias. Deste modo, poder-se-ia configurar um verdadeiro ministério da Palavra de Deus, que, em contextos apropriados, poderia incluir também a pregação. Explore-se também a possibilidade de instituir um ministério a conferir a casais comprometidos em apoiar a vida familiar e a acompanhar as pessoas que se preparam para o sacramento do matrimónio.

o)

Convidam-se as Igrejas locais a identificar formas e ocasiões para dar visibilidade e reconhecimento comunitário aos carismas e ministérios que enriquecem a comunidade. Isto poderia acontecer por ocasião de uma celebração litúrgica na qual se lhes entrega o mandato pastoral.

9. As mulheres na vida e na missão da Igreja

Convergências

a)

Fomos criados homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus. Desde o princípio, a criação articula unidade e diferença, conferindo a mulheres e homens uma natureza, uma vocação e um destino partilhados e duas experiências distintas do humano. A Sagrada Escritura testemunha a complementaridade e a reciprocidade de mulheres e homens. Nas múltiplas formas em que se realiza, a aliança entre o homem e a mulher está no centro do projeto de Deus para a criação. Jesus considerava as mulheres suas interlocutoras: falava com elas sobre o Reino de Deus e acolhia-as entre os discípulos, como por exemplo Maria de Betânia. Estas mulheres fizeram experiência do seu poder de cura, de libertação e de reconhecimento e caminharam com Ele na estrada da Galileia até Jerusalém (cf. Lc 8,1-3). Confiou a uma mulher, Maria Madalena, a missão de anunciar a ressurreição na manhã de Páscoa.

b)

Em Cristo mulheres e homens são revestidos da mesma dignidade batismal e recebem em igual medida a variedade dos dons do Espírito (cf. Gl 3,28). Homens e mulheres são chamados a uma comunhão caraterizada por uma corresponsabilidade não competitiva, que deve ser encarnada em todos os níveis da vida da Igreja. Como nos disse o Papa Francisco, somos, pelo contrário, «povo convocado e chamado com a força das bem-aventuranças».

c)

Durante a Assembleia experimentámos a beleza da reciprocidade entre mulheres e homens. Juntos relançamos o apelo das precedentes fases do processo sinodal, e pedimos à Igreja para crescer no compromisso de compreender e acompanhar as mulheres, do ponto de vista pastoral e sacramental. As mulheres desejam partilhar a experiência espiritual de caminhar juntos rumo à santidade nas diferentes fases da vida: como jovens, como mães, nas relações de amizade, na vida familiar em todas as idades, no mundo do trabalho e na vida consagrada. Reclamam justiça na sociedade ainda profundamente marcada por violência sexual e desigualdades económicas, e pela tendência a tratá-las como objetos. Carregam as cicatrizes do tráfico de seres humanos, das migrações forçadas e das guerras. O acompanhamento e a promoção decidida das mulheres caminham lado a lado.

d)

As mulheres constituem a maioria das pessoas que frequentam as igrejas e são, muitas vezes, as primeiras missionárias da fé na família. As consagradas, na vida contemplativa e na apostólica,

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constituem um dom, um sinal e um testemunho de importância fundamental no meio de nós. A

longa história de mulheres missionárias, santas, teólogas e místicas é uma poderosa fonte de inspiração e alimento para as mulheres e para os homens do nosso tempo.

e)

Maria de Nazaré, mulher de fé e mãe de Deus, continua a ser para todos uma extraordinária fonte de significado do ponto de vista teológico, eclesial e espiritual. Maria recorda-nos o chamamento universal a escutar Deus com atenção e a permanecer abertos ao Espírito Santo. Conheceu a alegria de dar à luz e fazer crescer, e suportou a dor e o sofrimento. Deus à luz em condições de precariedade, fez a experiência de ser refugiada e viu o vexame do assassínio brutal do seu Filho. Mas também conheceu o esplendor da ressurreição e a glória do Pentecostes.

f)

Muitas mulheres exprimiram a sua profunda gratidão pelo trabalho de sacerdotes e bispos, mas também falaram de uma Igreja que fere. Clericalismo, machismo e um uso inapropriado da autoridade continuam a deturpar o rosto da Igreja e causam dano à comunhão. É necessária uma profunda conversão espiritual como base para qualquer mudança estrutural. Abusos sexuais, de poder e económicos continuam a clamar por justiça, cura e reconciliação. Perguntamo-nos de que forma poderá a Igreja tornar-se um espaço capaz de proteger a todos.

g)

Quando na Igreja a dignidade e a justiça nas relações entre homens e mulheres saem lesadas, fica enfraquecida a credibilidade do anúncio que damos ao mundo. O processo sinodal mostra que há necessidade de uma renovação das relações e de mudanças estruturais. Deste modo, seremos capazes de acolher melhor a participação e o contributo de todos – leigos e leigas, consagradas e consagrados, diáconos, padres e bispos – enquanto discípulos corresponsáveis pela missão.

h)

A Assembleia pede que se evite o erro de falar das mulheres como uma questão ou um problema. Desejamos, antes, promover uma Igreja em que os homens e as mulheres dialogam com o objetivo de compreender melhor a profundidade dos desígnios de Deus, em que aparecem juntos como protagonistas, sem subordinação, exclusão ou competição.

Questões a aprofundar

i)

As Igrejas de todo o mundo formularam com clareza o pedido de um maior reconhecimento e valorização do contributo das mulheres e de um crescimento das responsabilidades pastorais que lhes são confiadas em todas as áreas da vida e da missão da Igreja. Para dar melhor expressão aos carismas de todos e para responder melhor às necessidades pastorais, como é que poderá a Igreja inserir mais mulheres nas funções e nos ministérios existentes? Se forem necessários novos ministérios, a quem cabe fazer o discernimento, a que nível e com qual modalidade?

j)

Foram expressas diferentes posições acerca do acesso das mulheres ao ministério diaconal. Alguns consideram que este passo seria inaceitável, na medida em que se encontra em descontinuidade com a Tradição. Para outros, porém, conceder às mulheres o acesso ao diaconato recuperaria uma prática da Igreja das origens. Outros, ainda, discernem neste passo uma resposta apropriada e necessária aos sinais dos tempos, fiel à Tradição e capaz de encontrar eco no coração de muitas pessoas que procuram uma renovada vitalidade e energia na Igreja. Alguns exprimem o receio de que este pedido seja expressão de uma perigosa confusão antropológica; acolhendo-a, a Igreja estaria a alinhar pelo espírito do tempo.

k)

O debate a este respeito está também relacionado com a reflexão mais ampla sobre a teologia do diaconado (cf. infra cap. 11, h - i).

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Propostas

l)

As Igrejas locais são encorajadas, de modo particular, a alargar o seu serviço de escuta, acompanhamento e cuidado às mulheres que, nos diferentes contextos sociais, estão mais marginalizadas.

m)

É urgente garantir que as mulheres possam participar nos processos de decisão e assumir papeis de responsabilidade na pastoral e no ministério. O Santo Padre aumentou de modo significativo o número de mulheres em posições de responsabilidade na Cúria Romana. O mesmo deveria acontecer nos outros níveis da vida da Igreja. Consequentemente, é necessário adaptar o direito canónico.

n)

Que se dê seguimento à pesquisa teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres ao diaconado, beneficiando dos resultados das comissões propositadamente instituídas pelo Santo Padre e dos estudos teológicos, históricos e exegéticos já realizados. Se possível, os resultados deveriam ser apresentados à próxima sessão da Assembleia.

o)

Os casos de discriminação laboral e de remuneração desigual dentro da Igreja devem ser debatidos e resolvidos, particularmente no que concerne às consagradas que, muitíssimas vezes, são consideradas mão de obra barata.

p)

É preciso ampliar o acesso das mulheres aos programas de formação e aos estudos teológicos. Insiram-se as mulheres nos programas de ensino e formação dos seminários para favorecer uma melhor formação para o ministério ordenado.

q)

Os textos litúrgicos e os documentos da Igreja estejam mais atentos não só ao uso de uma linguagem que tenham em igual consideração os homens e as mulheres, mas também à inserção de uma gama de palavras, imagens e relatos que se inspirem com maior vitalidade na experiência feminina.

r)

Propomos que mulheres, com formação adequada, possam ser juízas em todos os processos canónicos.

10. A vida consagrada e as agregações laicais: um sinal carismático

Convergências

a)

Ao longo dos séculos, a Igreja sempre experimentou o dom dos carismas, por meio dos quais o Espírito Santo a rejuvenesce e a renova, desde os mais extraordinários aos mais simples e mais amplamente disseminados. Com alegria e gratidão, o Santo Povo de Deus reconhece neles a ajuda providencial com a qual o próprio Deus sustenta, orienta e ilumina a sua missão.

b)

A dimensão carismática da Igreja tem uma manifestação particular na vida consagrada, com a riqueza e a variedade das suas formas. Em cada tempo, o seu testemunho contribuiu para renovar a vida da comunidade eclesial, revelando-se um antídoto em relação à tentação recorrente do mundanismo. As diferentes famílias religiosas mostram a beleza do seguimento do Senhor, no monte da oração e pelos caminhos do mundo, nas formas de vida comunitária, na solidão do deserto e na fronteira dos desafios culturais. Mais que uma vez, a vida consagrada foi a primeira a intuir as mudanças da história e a colher os apelos do Espírito: também hoje a Igreja precisa da sua profecia. Além disso, a comunidade cristã olha com atenção e gratidão para

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as práticas experimentadas de vida sinodal e de discernimento em comum que as comunidades

de vida consagrada foram amadurecendo ao longo dos séculos. Também com elas sabemos que podemos assimilar a sabedoria do caminhar juntos. Muitas Congregações e Institutos praticam a conversação no Espírito ou formas semelhantes de discernimento no decorrer de Capítulos provinciais e gerais, para renovar as estruturas, repensar os estilos de vida, ativar novas formas de serviço e de proximidade aos mais pobres. Noutros casos, embatemos, porém, com o perdurar de um estilo autoritário, que não dá espaço ao diálogo fraterno.

c)

Com igual gratidão, o Povo de Deus reconhece os fermentos de renovação presentes em comunidades que têm uma longa história e no florescimento de novas experiências de agregação eclesial. As associações laicais, os movimentos eclesiais e as novas comunidades são um sinal precioso do amadurecimento da corresponsabilidade de todos os batizados. O seu valor reside na promoção da comunhão entre as diferentes vocações, no impulso com o qual anunciamos o Evangelho, na proximidade àqueles que vivem uma marginalidade económica ou social e no compromisso com a promoção do bem comum. Muitas vezes, são modelos de comunhão sinodal e de participação em vista da missão.

d)

Os casos de abuso de vários tipos contra pessoas consagradas e membros de agregações laicais, particularmente a mulheres, indica um problema no exercício da autoridade e requer intervenções decididas e apropriadas.

Questões a aprofundar

e)

O magistério da Igreja desenvolveu um amplo ensinamento sobre a importância dos dons hierárquicos e dos dons carismáticos na vida e na missão da Igreja, que requer uma melhor compreensão na consciência eclesial e na própria reflexão teológica. Por isso, é necessário que nos interroguemos sobre o significado eclesiológico e sobre as implicações pastorais concretas desta aquisição.

f)

A variedade de expressões carismáticas dentro da Igreja sublinha o compromisso do Povo fiel de Deus em viver a profecia da proximidade aos últimos e em iluminar a cultura com uma experiência mais profunda das realidades espirituais. É necessário aprofundar de que modo a vida consagrada, as associações laicais, os movimentos eclesiais e as novas comunidades podem colocar os seus carismas ao serviço da comunhão e da missão nas Igrejas locais, contribuindo para fazer progredir em direção à santidade, graças a uma presença que é profética.

Propostas

g)

Consideramos que o tempo está maduro para se proceder a uma revisão dos «critérios diretivos para as relações mútuas entre os bispos e os religiosos na Igreja» propostos no documento Mutuae relationes, de1978. Propomos que essa revisão seja feita em estilo sinodal, incluindo todos os envolvidos.

h)

Com a mesma finalidade, as Conferências Episcopais e as Conferências das Superiores e dos Superiores Maiores dos Institutos de Vida Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica ativem lugares e instrumentos adequados para promover encontros e formas de colaboração em espírito sinodal.

i)

Tanto a nível de cada uma das Igrejas, como dos agrupamentos de Igrejas, a promoção da sinodalidade missionária exige a instituição e uma configuração mais precisa das Consultas e dos Conselhos nos quais convergem os representantes de Associações laicais, Movimentos eclesiais e novas Comunidades para promover relações orgânicas entre estas realidades e a vida das Igrejas locais.

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j)

Nos percursos de formação teológica a todos os níveis, sobretudo na formação dos ministros ordenados, verifique-se a atenção dispensada à dimensão carismática da Igreja e, onde for necessário, seja reforçada. 11. Diáconos e presbíteros numa Igreja sinodal

Convergências

a)

Os presbíteros são os principais cooperadores dos bispos e formam com eles um único presbitério (cf. LG 28); os diáconos, ordenados para o ministério, servem o Povo de Deus na diaconia da Palavra, da liturgia, mas sobretudo da caridade (cf. LG 29). Em relação a eles, a Assembleia exprime, antes de mais, uma profunda gratidão. Consciente de que podem experimentar solidão e isolamento, recomenda às comunidades cristãs que os apoiem com a oração, a amizade, a colaboração.

b)

Diáconos e presbíteros estão comprometidos nas mais diferentes formas do ministério pastoral: o serviço nas paróquias, a evangelização, a proximidade aos pobres e marginalizados, o compromisso no mundo da cultura e da educação, a missão ad gentes, o estudo teológico, a animação de centros de espiritualidade e muitos outros. Numa Igreja sinodal, os ministros ordenados são chamados a viver o seu serviço ao Povo de Deus numa atitude de proximidade às pessoas, de acolhimento e de escuta de todos e a cultivar uma profunda espiritualidade pessoal e uma vida de oração. São chamados, sobretudo, a repensar o exercício da autoridade seguindo o modelo de Jesus que, «sendo de condição divina, […] esvaziou-se a Si mesmo, assumindo a condição de servo» (Flp 2,6-7). A Assembleia reconhece que muitos presbíteros e diáconos, com a sua dedicação, tornam visível o rosto de Cristo Bom Pastor e Servo.

c)

Um obstáculo ao ministério e à missão é constituído pelo clericalismo. Este nasce da má compreensão do chamamento divino, que leva a concebê-la mais como um privilégio que como um serviço, e manifesta-se num estilo de poder mundano que se recusa a prestar contas. Esta deformação do sacerdócio deve ser contrastada, desde as primeiras fases da formação, através de um contacto vivo com a quotidianidade do Povo de Deus e de uma experiência concreta de serviço às pessoas mais necessitadas. Hoje, não se pode imaginar o ministério do presbítero, a não ser em relação com o Bispo, no presbitério, em profunda comunhão com os outros ministérios e carismas. Infelizmente, o clericalismo é uma atitude que pode manifestar-se não apenas nos ministros, mas também nos leigos.

d)

A autoconsciência das próprias capacidades bem como dos próprios limites é um requisito para se comprometer no ministério ordenado com um estilo de corresponsabilidade. Por isso mesmo, a formação humana deve garantir um percurso de conhecimento realista de si mesmo, que se integre com o crescimento cultural, espiritual e apostólico. Neste percurso, não se deve subvalorizar o contributo da família de origem e da comunidade cristã, dentro da qual o jovem amadureceu a sua vocação, e de outras famílias que acompanham o seu crescimento.

Questões a aprofundar

e)

Na perspectiva da formação de todos os batizados para uma Igreja sinodal, a formação dos diáconos e dos padres requer particular atenção. Foi amplamente expresso o pedido de que os seminários ou outros percursos de formação dos candidatos ao ministério estejam ligados à vida quotidiana das comunidades. É necessário evitar os riscos do formalismo e da ideologia que

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conduzem a atitudes autoritárias e impedem um verdadeiro crescimento vocacional. Repensar

os estilos e os percursos formativos requer uma ampla obra de revisão e de confronto.

f)

Foram expressas diferentes avaliações sobre o celibato dos presbíteros. Todos apreciam o seu valor, carregado de profecia, e o testemunho de conformação a Cristo; alguns perguntam se, na Igreja latina, a sua conveniência teológica com o ministério presbiteral deve traduzir-se necessariamente numa obrigação disciplinar, sobretudo nos lugares em que os contextos eclesiais e culturais o tornam mais difícil. Trata-se de um tema que não é novo, que precisa de ser retomado ulteriormente.

Propostas

g)

Nas Igrejas latinas o diaconato permanente foi sendo posto em prática de diferentes formas nos vários contextos eclesiais. Algumas Igrejas locais não o introduziram de todo; noutras, teme-se que os diáconos sejam percebidos como uma espécie de remédio para a carência de padres. Por vezes, a sua ministerialidade exprime-se na liturgia, mais que no serviço aos pobres e necessitados da comunidade. Recomenda-se, então, que se faça uma avaliação sobre a atuação do ministério diaconal depois do Concílio Vaticano II.

h)

Sob o perfil teológico, emerge a exigência de compreender o diaconato, antes de mais em si mesmo, e não apenas como uma etapa de acesso ao presbiterado. O próprio uso linguístico de qualificar como “permanente” a forma primária de diaconato, para a distinguir da forma “transitória”, é o agente de uma mudança de perspectiva que ainda não foi realizada de forma adequada.

i)

As incertezas que rodeiam a teologia do ministério diaconal devem-se também ao facto de, na Igreja latina, ele ter sido recuperado precisamente como um grau próprio e permanente da hierarquia só a partir do Concílio Vaticano II. Uma reflexão mais aprofundada a este respeito permitirá iluminar também a questão do acesso das mulheres ao diaconato.

j)

Pede-se que se verifique de forma aprofundada a formação para o ministério ordenado à luz da perspetiva da Igreja sinodal missionária. Isto implica a revisão da Ratio fundamentalis que determina o seu perfil. Recomendamos, ao mesmo tempo, que se cuide da formação permanente dos presbíteros e dos diáconos em sentido sinodal.

k)

A dimensão da transparência e a cultura de prestação de contas representam um elemento de crucial importância para prosseguir em frente na construção de uma Igreja sinodal. Pedimos às Igrejas locais que identifiquem processos e estruturas que permitam uma verificação regular das modalidades de exercício do ministério de sacerdotes e diáconos que desempenham papéis de responsabilidade. Instituições já existentes, tal como os organismos de participação ou as visitas pastorais, podem constituir o ponto de partida para este trabalho, cuidando do envolvimento da comunidade. Em todo o caso, estas formas deverão ser adaptadas aos contextos locais e às diferentes culturas, para não derivar num entrave ou num peso burocrático. Por isso é que o âmbito regional ou continental poderia ser o mais oportuno para um seu discernimento.

l)

Considere-se, avaliando caso a caso e conforme os contextos, a oportunidade de inserir presbíteros que deixaram o ministério num serviço pastoral que valorize a sua formação e a sua experiência.

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12. O bispo na comunhão eclesial

Convergências

a) Na perspetiva do Concílio Vaticano II, os bispos, enquanto sucessores dos Apóstolos, são postos ao serviço da comunhão que se realiza na Igreja local, entre as Igrejas e com a Igreja universal. A figura do bispo pode, portanto, ser compreendida de forma adequada na teia das relações com a porção do Povo de Deus a ele confiado, com o presbitério e com os diáconos, com as pessoas consagradas, com os outros bispos e com o bispo de Roma, numa perspectiva sempre orientada para a missão.

b) O bispo é, na sua Igreja, o primeiro responsável pelo anúncio do Evangelho e pela liturgia. Guia a comunidade cristã e promove o cuidado dos pobres e a defesa dos últimos. Enquanto princípio visível de unidade, tem de modo particular a tarefa de discernir e coordenar os diferentes carismas e ministérios suscitados pelo Espírito para o anúncio do Evangelho e o bem comum da comunidade. Este ministério é realizado de modo sinodal, quando o governo é exercido na corresponsabilidade, quando a pregação se alimenta da escuta do Povo fiel de Deus, quando a santificação e a celebração litúrgica têm origem na humildade e da conversão.

c) O bispo tem um papel insubstituível, dando início ao processo sinodal na Igreja local e animando-o, promovendo a circularidade entre “todos, alguns e um”. O ministério episcopal (esse “um”) valoriza a participação de “todos” os fiéis, graças ao contributo de “alguns” mais diretamente envolvidos em processos de discernimento e de decisão (organismos de participação e de governo). A convicção com a qual o bispo assume a perspectiva sinodal e o estilo com o qual exerce a autoridade influenciam de modo determinante a participação de padres e diáconos, leigos e leigas, consagradas e consagrados. Para todos, o bispo é chamado a ser exemplo de sinodalidade.

d) Nos contextos em que a Igreja é percebida como família de Deus, o bispo é considerado como o pai de todos; já nas sociedades secularizadas, ele experimenta uma crise da sua autoridade. É importante não perder a referência à natureza sacramental do episcopado, para que a figura do bispo não se pareça a uma autoridade civil.

e) Muitas vezes, as expectativas em relação ao bispo são muito altas, e muitos bispos lamentam-se de uma sobrecarga de compromissos administrativos e jurídicos, que torna difícil a plena realização da sua missão. Também o bispo deve ter em conta a sua própria fragilidade e os seus próprios limites e nem sempre encontra apoio humano e espiritual. Não é rara a experiência sofrida de certa solidão. Por isso mesmo, é importante, por um lado, voltar a trazer para o centro das atenções os aspetos essenciais da missão do bispo e, por outro lado, cultivar uma autêntica fraternidade entre os bispos e com o presbitério.

Questões a aprofundar

f) A nível teológico, é necessário aprofundar mais o significado da relação de reciprocidade entre o bispo e a Igreja local. Ele é chamado a guiá-la e, ao mesmo tempo, a reconhecer e proteger a riqueza da sua história, da sua tradição e dos carismas nela presentes.

g) É necessário aprofundar a questão da relação entre sacramento da Ordem e jurisdição, à luz do magistério conciliar da Lumen gentium e dos ensinamentos mais recentes, como a Constituição apostólica Praedicate Evangelium, para esclarecer os critérios teológicos e canónicos que estão na base do princípio de partilha das responsabilidades do bispo e determinar âmbitos, formas e implicações da corresponsabilidade.

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h) Alguns bispos manifestam algum desconforto, quando lhes é pedido para intervir em questões de fé e de moral sobre as quais não há um pleno acordo no episcopado. É necessário refletir ulteriormente sobre a relação entre colegialidade episcopal e diversidade de pontos de vista teológicos e pastorais.

i) Uma cultura da transparência e o respeito pelos procedimentos previstos para a tutela dos menores e das pessoas vulneráveis são parte integrante de uma Igreja sinodal. É necessário desenvolver ulteriormente estruturas dedicadas à prevenção dos abusos. A questão delicada da gestão dos abusos coloca muitos bispos diante da dificuldade de conciliar o papel de pai e o de juiz. Pede-se que se avalie a oportunidade de confiar a função judicial a outra instância, a determinar canonicamente.

Propostas

j) Sejam ativadas, em formas a definir juridicamente, estruturas e processos de averiguação regular da ação do bispo, fazendo referência ao estilo da sua autoridade, à administração económica dos bens da diocese, ao funcionamento dos organismos de participação e à tutela em relação a todos os tipos de abuso. A cultura da prestação de contas é parte integrante de uma Igreja sinodal, que promove a corresponsabilidade, bem como uma possível salvaguarda contra os abusos.

k) Pede-se que se torne obrigatório o Conselho episcopal (cân. 473 §4) e o Conselho pastoral diocesano ou eparquial (CIC cân. 511, CCEO cân. 272) e que se tornem mais ativos, também a nível de direito, os organismos diocesanos de corresponsabilidade.

l) A Assembleia pede que se verifiquem os critérios de seleção dos candidatos ao episcopado, equilibrando a autoridade do Núncio Apostólico com a participação da Conferência Episcopal. Pede-se também para ampliar a consulta do Povo de Deus, escutando um maior número de leigos e leigas, consagradas e consagrados e tendo o cuidado de evitar pressões inoportunas.

m) Muitos bispos manifestam a exigência de repensar o funcionamento das Metrópoles (Províncias Eclesiásticas) e das Regiões e de reforçar a sua estrutura, para que sejam expressão concreta de colegialidade num território e em âmbitos nos quais os bispos possam fazer experiência de fraternidade, apoio recíproco, transparência e consulta mais ampla.

13. O bispo de Roma no Colégio dos Bispos

Convergências

a)

A dinâmica sinodal traz nova luz também ao ministério do Bispo de Roma. Com efeito, a sinodalidade articula de modo sinfónico as dimensões comunitária (“todos”), colegial (“alguns”) e pessoal (“um”) da Igreja a nível local, regional e universal. Nesta perspetiva, o ministério petrino do Bispo de Roma é intrínseco à dinâmica sinodal, tal como o são também o aspeto comunitário que inclui todo o Povo de Deus e a dimensão colegial do ministério episcopal. Por isso mesmo, sinodalidade, colegialidade e primado remetem reciprocamente umas para as outras: o primado pressupõe o exercício da sinodalidade e da colegialidade, tal como estas duas implicam o exercício do primado.

b)

A promoção da unidade de todos os cristãos é um aspecto essencial do ministério do bispo de Roma. O caminho ecuménico permitiu que se aprofundasse a compreensão do ministério do Sucessor de Pedro e deve continuar a fazê-lo também no futuro. As respostas ao convite feito

30

por São João Paulo II na encíclica

Ut unum sint, como também as conclusões dos diálogos ecuménicos, podem ajudar à compreensão católica do primado, da colegialidade, da sinodalidade e das suas relações recíprocas.

c)

A reforma da Cúria Romana é um aspecto importante do percurso sinodal da Igreja católica. A Constituição apostólica Praedicate evangelium insiste no facto de que «a Cúria Romana não se situa entre o Papa e os Bispos, mas coloca-se ao serviço de ambos, segundo as modalidades que são próprias da natureza de cada um» (PE I.8). Promove uma reforma com base na «vida de comunhão» (PE I.4) e numa «salutar descentralização» (EG 16, cit. in PE II.2). O facto de muitos membros dos Dicastérios romanos serem bispos diocesanos exprime a catolicidade da Igreja e deveria favorecer a relação entre a Cúria e as Igrejas locais. A prática efetiva da Praedicate evangelium poderá favorecer uma maior sinodalidade dentro da Cúria, tanto entre os diferentes Dicastérios como em cada um deles.

Questões a aprofundar

d)

Pede-se um aprofundamento sobre o modo como uma renovada compreensão do episcopado dentro de uma Igreja sinodal incide no ministério do Bispo de Roma e no papel da Cúria Romana. Esta questão tem repercussões significativas sobre o modo de viver a corresponsabilidade no governo da Igreja. A nível universal, o Código de Direito Canónico e o Código dos Cânones das Igrejas Orientais fornecem disposições para um exercício mais colegial do ministério papal. Estas poderiam ser ulteriormente desenvolvidas na prática e reforçadas numa futura atualização de ambos os textos.

e)

A sinodalidade pode iluminar de que modo o Colégio dos Cardeais colabora no ministério petrino e com que formas promove o seu discernimento colegial nos consistórios ordinários e extraordinários.

f)

É importante para o bem da Igreja estudar os modos mais oportunos para favorecer o conhecimento mútuo e os laços de comunhão entre os membros do Colégio dos Cardeais, tendo em conta também as suas diferentes proveniências e culturas.

Propostas

g)

As visitas ad limina Apostolorum são o momento mais alto das relações dos Pastores das Igrejas locais com o Bispo de Roma e com os seus colaboradores mais próximos na Cúria Romana. Reveja-se a forma como são realizadas, de modo a fazer com que sejam cada vez mais ocasiões de intercâmbio aberto e recíproco, que favoreça a comunhão e um verdadeiro exercício de colegialidade e sinodalidade.

h)

À luz da configuração sinodal da Igreja, é necessário que os Dicastérios da Cúria Romana valorizem a consulta dos bispos, para uma maior atenção à diferença de situações e para uma escuta mais atenta da voz das Igrejas locais.

i)

Parece oportuno prever formas de avaliação da ação dos Representantes Pontifícios por parte das Igrejas locais dos países onde desempenham a sua missão, a fim de agilizar e aperfeiçoar o seu serviço.

j)

Propõe-se que se valorize e reforce a experiência do Conselho dos Cardeais (C-9) como conselho sinodal ao serviço do ministério petrino.

k)

À luz do ensinamento do Concílio Vaticano II, é necessário examinar atentamente se é oportuno ordenar bispos os prelados da Cúria Romana.

31

PARTE III – TECER LAÇOS, CONSTRUIR COMUNIDADE 14. Uma abordagem sinodal à formação

Convergências

a)

Cuidar da sua própria formação é a resposta que cada batizado é chamado a dar aos dons do Senhor, para fazer frutificar os talentos recebidos e colocá-los ao serviço de todos. O tempo que o Senhor dedicou à formação dos discípulos revela a importância desta ação eclesial, muitas vezes pouco vistosa, mas decisiva para a missão. Sentimos que devemos exprimir uma palavra de agradecimento e encorajamento a todos os que estão comprometidos neste âmbito e convidamo-los a recolher os elementos de novidade que emergem do caminho sinodal da Igreja.

b)

O modo como Jesus formou os discípulos constitui o modelo de referência. Ele não se limitou a dar uns ensinamentos, mas partilhou com eles a vida. Com a sua oração suscitou o pedido: “Ensina-nos a rezar”; matando a fome às multidões, ensinou que não se pode mandar embora os necessitados; caminhando para Jerusalém, apontou o caminho da Cruz. Com o Evangelho aprendemos que a formação não é apenas nem em primeiro lugar um potenciamento das capacidades pessoais de cada um: ela é conversão à lógica do Reino que pode tornar fecundas também as derrotas e os insucessos.

c)

O Santo Povo de Deus não é apenas objeto, mas é, antes de mais, sujeito corresponsável da formação. A primeira formação, de facto, tem lugar na família. É aí que, não raramente, recebemos o primeiro anúncio da fé, na língua – melhor, no dialeto – dos nossos pais e dos nossos avós. O contributo daqueles que desempenham um ministério na Igreja deve, portanto, cruzar-se com a sabedoria dos simples numa aliança educativa que é indispensável à comunidade. Este é o primeiro sinal de uma formação entendida em sentido sinodal.

d)

Na iniciação cristã encontramos as grandes linhas orientadoras para os percursos formativos. No centro da formação está o aprofundamento do querigma, ou seja, do encontro com Jesus Cristo que nos oferece o dom de uma vida nova. A lógica catecumenal recorda-nos que todos somos pecadores chamados à santidade. É por isso que nos comprometemos em caminhos de conversão que o sacramento da Reconciliação leva a cabo e alimentamos o desejo da santidade, sustentados por um grande número de testemunhas.

e)

São muitos os âmbitos em que se declina a formação do Povo de Deus. Além da formação teológica, foi mencionada a formação relativa a uma série de competências específicas: exercício da corresponsabilidade, escuta, discernimento, diálogo ecuménico e inter-religioso, serviço aos pobres e cuidado da casa comum, compromisso como “missionários digitais”, facilitação dos processos de discernimento e conversação no Espírito, construção do consenso e resolução dos conflitos. Há que prestar particular atenção à formação catequética das crianças e jovens, que deveria englobar a participação ativa da comunidade.

f)

A formação para uma Igreja sinodal deve necessariamente ser feita em modo sinodal: todo o Povo de Deus forma-se em conjunto enquanto caminha em conjunto. É necessário superar a mentalidade de delegação que se encontra em muitos âmbitos da pastoral. Uma formação em chave sinodal tem por finalidade permitir que o Povo de Deus viva plenamente a sua vocação batismal, em família, nos lugares de trabalho, no âmbito eclesial, social e intelectual; permite ainda tornar cada pessoa capaz de participar ativamente na missão da Igreja de acordo com os carismas e com a vocação próprios de cada um.

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Questões a aprofundar

g)

Recomendamos que se aprofunde o tema da educação afetiva e sexual, para acompanhar os jovens no seu caminho de crescimento e para apoiar o amadurecimento afetivo daqueles que são chamados ao celibato e à castidade consagrada. A formação nestes âmbitos é uma ajuda necessária em todas as fases da vida.

h)

É importante aprofundar o diálogo entre as ciências humanas, sobretudo a psicologia e a teologia, para uma compreensão da experiência humana que não se limite a justapor os seus contributos, mas que os integre numa síntese mais madura.

i)

O Povo de Deus deve estar amplamente representado na formação dos ministros ordenados, como já foi pedido por Sínodos anteriores. É oportuno proceder a uma ampla revisão dos programas formativos, dando particular atenção ao modo de valorizar o contributo feminino e a cooperação das famílias.

j)

As Conferências Episcopais são encorajadas a trabalhar a nível regional, para, juntas, criarem uma cultura da formação permanente, utilizando todos os recursos disponíveis, inclusive o desenvolvimento dos meios digitais.

Propostas

k)

À luz da sinodalidade, propomos que se privilegie, na medida do possível, propostas formativas conjuntas dirigidas a todo o Povo de Deus (leigos, consagrados e ministros ordenados). Cabe às dioceses encorajar estes projetos a nível local. Encorajamos as Conferências Episcopais a trabalhar em conjunto a nível regional para, juntas, criarem uma cultura da formação permanente, utilizando todos os recursos disponíveis, inclusive o desenvolvimento dos meios digitais.

l)

As diferentes componentes do Povo de Deus devem estar representadas nos percursos de formação para o ministério ordenado, de acordo com aquilo que já foi pedido por Sínodos anteriores. Assume particular importância o envolvimento de figuras femininas.

m)

São necessários processos adequados de seleção dos candidatos ao ministério ordenado. Os requisitos relativos aos programas propedêuticos devem ser respeitados.

n)

A formação dos ministros ordenados deve ser pensada de forma coerente com uma Igreja sinodal, nos diferentes contextos. Isto requer que, antes de realizarem caminhos específicos, os candidatos ao ministério tenham amadurecido uma real, embora inicial, experiência de comunidade cristã. O caminho formativo não deverá criar um ambiente artificial, separado da vida comum dos fiéis. Salvaguardando as exigências da formação ao ministério, deverá favorecer um autêntico espírito de serviço ao Povo de Deus na pregação, na celebração dos sacramentos e na animação da caridade. Isto poderá exigir uma revisão da Ratio Fundamentalis para os sacerdotes e os diáconos permanentes.

o)

Em vista da próxima Sessão da Assembleia, propõe-se que se realize uma consulta dos responsáveis da formação inicial e permanente dos presbíteros, para avaliar a receção do processo sinodal e para propor as alterações necessárias para promover o exercício da autoridade num estilo apropriado a uma Igreja sinodal.

33

15. Discernimento eclesial e questões abertas

Convergências

a)

A experiência da conversação no Espírito foi enriquecedora para todos os que nela tomaram parte. De modo particular, apreciou-se um estilo de comunicação que privilegia a liberdade na expressão dos pontos de vista de cada um e a escuta recíproca. Isto evita que se passe demasiado rapidamente a um debate com base na reiteração dos argumentos próprios de cada um, que não deixa espaço e tempo para nos darmos conta das razões do outro.

b)

Esta atitude de fundo cria um contexto favorável para aprofundar questões que continuam a ser controversas mesmo dentro da Igreja, como sejam os efeitos antropológicos das tecnologias digitais e da inteligência artificial, a não violência e a legítima defesa, as problemáticas relativas ao ministério, os temas relacionados com a corporeidade e a sexualidade e ainda outros.

c)

Para desenvolver um autêntico discernimento eclesial nestes e noutros âmbitos, é necessário integrar, à luz da Palavra de Deus e do Magistério, uma base informativa mais ampla e uma componente reflexiva mais articulada. Para evitar que nos refugiemos na comodidade de fórmulas convencionais, é necessário instruir um confronto com o ponto de vista das ciências humanas e sociais, da reflexão filosófica e da elaboração teológica.

d)

Entre as questões sobre as quais é importante continuar a reflexão, conta-se a da relação entre amor e verdade e as repercussões que ela tem sobre muitas questões controversas. Ainda antes de ser um desafio, esta relação é, na realidade, uma graça que habita a revelação cristológica. Com efeito, Jesus levou à plenitude a promessa que se lê nos Salmos: «O amor e a verdade vão-se encontrar, vão-se beijar a paz e a justiça. Da terra há de brotar a verdade, e a justiça espreitará do céu» (Sl 85,11-12).

e)

As páginas do Evangelho mostram que Jesus se encontra com as pessoas na unicidade da sua história e da sua situação. Ele nunca parte de preconceitos ou de rótulos, mas de uma relação autêntica na qual Ele se envolve com todo o seu ser, mesmo sob o prejuízo de ficar exposto à incompreensão e à rejeição. Jesus escuta sempre o grito de ajuda de quem passa necessidade, mesmo quando fica por se exprimir; realiza gestos que transmitem amor e restituem confiança; com a sua presença torna possível uma nova vida: quem se encontra com Ele, sai transformado. Isto acontece porque a verdade de que Jesus é portador não é uma ideia, mas é a própria presença de Deus no meio de nós; e o amor com que atua não é apenas um sentimento, mas a justiça do Reino que muda a história.

f)

A dificuldade que encontramos para traduzir esta límpida visão evangélica em opções pastorais é sinal da nossa incapacidade de viver à altura do Evangelho e recorda-nos que não podemos apoiar quem precisa de ajuda, a não ser através da nossa conversão, pessoal e comunitária. Se utilizarmos a doutrina com dureza e com atitude de quem julga, traímos o Evangelho; se praticarmos uma misericórdia barata, não transmitimos o amor de Deus. A unidade entre a verdade e o amor implica que nos encarreguemos das dificuldades do outro até as fazermos nossas, como acontece entre verdadeiros irmãos e irmãs. Por isso mesmo, esta unidade só pode ser realizada se seguirmos com paciência o caminho do acompanhamento.

g)

Algumas questões, como as relacionadas com a identidade de género e a orientação sexual, com o fim da vida, com as situações matrimoniais difíceis, com as problemáticas éticas ligadas à inteligência artificial, são controversas não só na sociedade, mas também na Igreja, porque colocam questões novas. Por vezes, as categorias antropológicas que elaborámos não são suficientes para colher a complexidade dos elementos que emergem da experiência ou do saber das ciências e requerem afinamento e estudo ulterior. É importante tomar o tempo necessário

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para esta reflexão e nela investir as melhores energias, sem ceder a juízos simplificadores que

ferem as pessoas e o Corpo da Igreja. Muitas indicações já foram apresentadas pelo Magistério e estão à espera de ser traduzidas em iniciativas pastorais apropriadas. Mesmo nos casos em que forem necessários ulteriores esclarecimentos, o comportamento de Jesus, assimilado na oração e na conversão do coração, indica-nos o caminho a seguir.

Questões a aprofundar

h)

Reconhecemos a necessidade de prosseguir a reflexão eclesial sobre a união originária entre amor e verdade, testemunhada por Jesus, em vista de uma prática eclesial que honre a sua inspiração.

i)

Encorajamos os especialistas nos diferentes campos do saber a amadurecer uma sabedoria espiritual que permita que a sua competência especializada se torne um verdadeiro serviço eclesial. A sinodalidade neste âmbito exprime-se como disponibilidade para pensar juntos ao serviço da missão, na diferença das definições, mas na harmonia das intenções.

j)

É preciso identificar as condições que tornam possível uma investigação teológica e cultural que saiba partir da experiência quotidiana do Povo Santo de Deus e se coloque ao seu serviço.

Propostas

k)

Propomos que se promovam iniciativas que permitam um discernimento partilhado sobre questões doutrinais, pastorais e éticas que são controversas, à luz da Palavra de Deus, do ensinamento da Igreja, da reflexão teológica e valorizando a experiência sinodal. Isto pode ser realizado através de aprofundamentos entre especialistas de diferentes competências e proveniências num contexto institucional que tutele a confidencialidade do debate e promova a franqueza do confronto, dando espaço, quando apropriado, também à voz das pessoas diretamente tocadas pelas controvérsias mencionadas. Este percurso deverá ser realizado em vista da próxima Sessão sinodal.

16. Por uma Igreja que escuta e acompanha

Convergências

a)

Escuta é o termo que melhor exprime a experiência mais intensa que caracterizou os primeiros dois anos do percurso sinodal e também os trabalhos da Assembleia. Fá-lo no duplo significado de escuta dada e recebida, de pôr em atitude de escuta e de ser escutados. A escuta é um valor profundamente humano, um dinamismo de reciprocidade, em que alguém dá um contributo ao caminho do outro e recebe outra para si mesmo.

b)

Ser convidados a tomar a palavra e ser escutados na Igreja e pela Igreja foi uma experiência intensa e inesperada para muitas das pessoas que participaram no processo sinodal a nível local, especialmente aqueles que sofrem alguma forma de marginalização na sociedade e também na comunidade cristã. Ser escutado é uma experiência de afirmação e reconhecimento da nossa própria dignidade: é um poderoso instrumento de ativação dos recursos da pessoa e da comunidade.

c)

Colocar Jesus no centro da nossa vida requer alguma abnegação. Nesta perspectiva, escutar requer a disponibilidade para nos descentrarmos para dar espaço ao outro. Foi isto que

35

experimentámos na dinâmica da conversação no Espírito. Trata

-se de um exercício ascético exigente, que obriga cada um a reconhecer os seus próprios limites e a parcialidade do seu próprio ponto de vista. Por isso mesmo, abre uma possibilidade à escuta da voz do Espírito de Deus que fala também para lá dos confins da pertença eclesial e pode pôr em movimento um caminho de mudança e de conversão.

d)

Colocar-se à escuta tem um valor cristológico: significa assumir a atitude de Jesus em relação às pessoas com quem se encontrava (cf. Flp 2,6-11); tem também um valor eclesial, uma vez que quem se coloca à escuta é a Igreja, através da ação de alguns batizados que não agem em seu próprio nome, mas em nome da comunidade.

e)

Ao longo do processo sinodal, a Igreja encontrou-se com muitas pessoas e muitos grupos que pedem para ser escutados e acompanhados. Em primeiro lugar, mencionamos os jovens, cujo pedido de escuta e acompanhamento ecoou com força no Sínodo que lhes foi dedicado (2018) e nesta Assembleia, que confirma a necessidade de uma opção preferencial pelos jovens.

f)

A Igreja deve escutar com particular atenção e sensibilidade a voz das vítimas e dos sobreviventes aos abusos sexuais, espirituais, económicos, institucionais, de poder e de consciência por parte de membros do clero ou de pessoas com cargos eclesiais. A escuta autêntica é um elemento fundamental do caminho para a cura, o arrependimento, a justiça e a reconciliação.

g)

A Assembleia exprime a sua proximidade e o seu apoio a todos os que vivem uma condição de solidão como escolha de fidelidade à tradição e ao magistério da Igreja em matéria matrimonial e de ética sexual, na qual reconhecem uma fonte de vida. As comunidades cristãs são convidadas a estar particularmente próximas destas pessoas, escutando-as e acompanhando-as no seu compromisso.

h)

De diferentes modos, também as pessoas que se sentem marginalizadas ou excluídas pela Igreja, devido à sua situação matrimonial, identidade e sexualidade, pedem para ser escutadas e acompanhadas e que seja defendida a sua dignidade. Na Assembleia, pôde perceber-se um profundo sentido de amor, misericórdia e compaixão pelas pessoas que estão ou se sentem feridas ou negligenciadas pela Igreja, que desejam um lugar onde regressar “a casa” e onde se sintam seguras, escutadas e respeitadas, sem receio de se sentirem julgadas. A escuta é um pré-requisito para caminhar juntos à procura da vontade de Deus. A Assembleia reafirma que os cristãos não podem faltar ao respeito pela dignidade de pessoa alguma.

i)

Dirigem-se à Igreja à procura de escuta e acompanhamento também pessoas que sofrem diferentes formas de pobreza, exclusão e marginalização dentro da sociedade na qual cresce inexoravelmente a desigualdade. Escutá-las permite à Igreja dar-se conta do seu ponto de vista e colocar-se concretamente ao seu lado, mas sobretudo deixar-se evangelizar por elas. Agradecemos e encorajamos as pessoas comprometidas no serviço de escuta e acompanhamento de todos os que se encontram na prisão e precisam particularmente de experimentar o amor misericordioso do Senhor e de não se sentir isolados da comunidade. Em nome da Igreja eles realizam as palavras do Senhor: «estava na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25,36).

j)

Muitas pessoas vivem uma condição de solidão que, muitas vezes, é próxima ao abandono. Idosos e pessoas doentes são, muitas vezes, invisíveis na sociedade. Encorajamos as paróquias e as comunidades cristãs a aproximar-se destas pessoas e a escutá-las. As obras de misericórdia, inspiradas nas palavras evangélicas «estava doente e visitastes-me» (Mt 25,36), têm um profundo significado para as pessoas envolvidas e também para fomentar laços comunitários.

36

k)

A Igreja quer escutar todas as pessoas, não só aquelas que sabem fazer ouvir a sua voz com maior facilidade. Nalgumas regiões, por motivos culturais e sociais, os membros de alguns grupos, como os jovens, as mulheres e as minorias, podem sentir maior dificuldade para se exprimirem com liberdade. Também a experiência de viver em regimes opressivos e ditatoriais corrompe a confiança necessária para falar com liberdade. O mesmo pode acontecer quando o exercício da autoridade dentro da comunidade cristã se torna opressivo em vez de libertador.

Questões a aprofundar

l)

A escuta requer um acolhimento incondicional. Isto não significa abdicar da clareza ao apresentar a mensagem de salvação do Evangelho, nem apoiar qualquer opinião ou posição. O Senhor Jesus abria novos horizontes àqueles que escutava sem condições e somos chamados a fazer do mesmo modo para partilhar a Boa Nova com as pessoas com quem nos encontramos.

m)

Difusas em muitas partes do mundo, as comunidades de base ou pequenas comunidades cristãs favorecem as práticas de escuta dos batizados e entre os próprios batizados. Somos chamados a valorizar o seu potencial, examinando também como seria possível adaptá-las aos contextos urbanos.

Propostas

n)

Que deveremos mudar para que as pessoas que se sentem excluídas possam experimentar uma Igreja mais acolhedora? A escuta e o acompanhamento não são apenas iniciativas individuais, mas constituem uma forma de agir eclesial. Por isso mesmo, devem encontrar lugar dentro da programação pastoral ordinária e da estruturação operacional das comunidades cristãs aos vários níveis, valorizando também o acompanhamento espiritual. Uma Igreja sinodal não pode renunciar a ser uma Igreja que escuta e este compromisso deve traduzir-se em ações concretas.

o)

A Igreja não parte do zero, mas dispõe já de numerosas instituições e estruturas que prestam este precioso serviço. Pensemos, por exemplo, no trabalho capilar de escuta e acompanhamento dos pobres, marginalizados, migrantes e refugiados, realizado pelas Cáritas e por muitas outras realidades ligadas à vida consagrada ou ao associativismo laical. É preciso agir para potenciar a sua relação com a vida da comunidade, evitando que sejam percebidas como atividades delegadas a algumas pessoas.

p)

As pessoas que prestam o serviço da escuta e do acompanhamento, nas suas diferentes formas, precisam de uma formação adequada, também tendo em conta o tipo de pessoas com quem contatam, e de se sentirem apoiadas pela comunidade. Por sua vez, as comunidades precisam de tomar plena consciência do valor de um serviço exercido em seu nome e de poder receber o fruto desta escuta. De modo a dar maior evidência a este serviço, propõe-se a instituição de um ministério da escuta e do acompanhamento, fundamentado no Batismo, adaptado aos diferentes contextos. As modalidades como será conferido deverão promover um maior envolvimento da comunidade.

q)

Encoraja-se o SECAM (Simpósio das Conferências Episcopais de África e Madagáscar) a promover um discernimento teológico e pastoral sobre o tema da poligamia e sobre o acompanhamento das pessoas que vivem em uniões poligâmicas, que se aproximam da fé.

37

17. Missionários no ambiente digital

Convergências

a)

A cultura digital representa uma mudança fundamental no modo como concebemos a realidade e nos relacionamos conosco mesmos, entre nós, com o ambiente que nos rodeia e também com Deus. O ambiente digital modifica os nossos processos de aprendizagem, a percepção do tempo, do espaço, do corpo, das relações interpessoais e todo a nosso modo de pensar. O dualismo entre real e virtual não descreve adequadamente as realidades e a experiência de todos nós, sobretudo dos mais jovens, os chamados “nativos digitais”.

b)

Portanto, a cultura digital não é tanto uma área distinta da missão, mas uma dimensão crucial do testemunho da Igreja na cultura contemporânea. Por esta mesma razão, reveste-se de um significado particular numa Igreja sinodal.

c)

Os missionários sempre partiram com Cristo rumo a novas fronteiras, precedidos e impelidos pela ação do Espírito. Hoje, cabe-nos a nós chegar à cultura atual em todos os espaços onde as pessoas procuram sentido e amor, também nos seus celulares e tablets.

d)

Não podemos evangelizar a cultura digital sem, primeiro, a ter compreendido. Os jovens, e entre eles os seminaristas, os jovens padres e os jovens consagrados e consagradas, que, muitas vezes, têm uma experiência direta profunda destas realidades, são os mais adequados para levar a acabo a missão da Igreja no ambiente digital, bem como para acompanhar o resto da comunidade, inclusive os próprios pastores, rumo a uma maior familiaridade com as suas dinâmicas.

e)

Dentro do processo sinodal, as iniciativas do Sínodo digital (Projeto “A Igreja escuta-te”), mostram as potencialidades do ambiente digital em chave missionária, a criatividade e a generosidade das pessoas que aí se empenharam e a importância de lhes dar formação, acompanhamento, possibilidades de confronto entre pessoas semelhantes e colaboração.

Questões a aprofundar

f)

A internet está cada vez mais presente na vida dos adolescentes e das famílias. Embora tenha um grande potencial para melhorar a nossa vida, pode também causar danos e feridas, por exemplo, através do bullying, da desinformação, da exploração sexual e da dependência. É urgente refletir sobre a forma como a comunidade cristã pode apoiar as famílias a garantir que o espaço online não só seja seguro, mas também espiritualmente vivificante.

g)

Há muitas iniciativas online, de grande valor e utilidade, ligadas à Igreja, que fornecem uma excelente catequese e formação para a fé. Infelizmente, há também alguns sites nos quais as temáticas ligadas à fé são tratadas de forma superficial, polarizada e até cheia de ódio. Como Igreja e, pessoalmente, como missionários digitais temos o dever de nos interrogarmos como garantir que a nossa presença online constitua uma experiência de crescimento para as pessoas com quem comunicamos.

h)

As iniciativas apostólicas online têm um alcance e um raio de ação que se estende para lá dos confins territoriais entendidos de forma tradicional. Isto levanta alguns quesitos importantes sobre como poderão ser regulamentadas e qual a autoridade eclesiástica a quem compete a vigilância.

i)

Devemos considerar também as implicações da nova fronteira missionária digital para a renovação das estruturas paroquiais e diocesanas existentes. Num mundo cada vez mais digital,

38

como evitar que fiquemos prisioneiros da lógica da conservação e, por outro lado, libertar

energias para novas formas de exercício da missão?

j)

A pandemia de Covid-19 estimulou a criatividade pastoral online, contribuindo para reduzir os efeitos da experiência de isolamento e solidão vivida particularmente por idosos e membros vulneráveis das comunidades. Também as instituições de educação católica utilizaram de forma eficaz as plataformas online para continuar a dar formação e catequese durante os confinamentos. Seria bom que avaliássemos o que é que esta experiência nos ensinou e quais podem ser os benefícios a longo prazo para a missão da Igreja no ambiente digital.

k)

Muitos jovens, que também procuram a beleza, abandonaram os espaços físicos da Igreja, para os quais tentamos convidá-los, a favor dos espaços online. Isto implica que se procure novos modos para os envolver e lhes dar formação e catequese. Trata-se de um tema que deve ser refletido a nível pastoral.

Propostas

l)

Propomos que as Igrejas assegurem reconhecimento, formação e acompanhamento aos missionários digitais já em ação, facilitando também o encontro entre eles.

m)

É importante criar redes de colaboração de influencers que incluam pessoas de outras religiões ou que não professam nenhuma fé, mas que colaboram em causas comuns para a promoção da dignidade da pessoa humana, da justiça e do cuidado da casa comum.

18. Organismos de participação

Convergências

a)

Enquanto membros do Povo fiel de Deus, todos os batizados são corresponsáveis pela missão, cada um de acordo com a sua vocação, com a sua experiência e competência; assim, todos contribuem para imaginar e decidir passos de reforma das comunidades cristãs e de toda a Igreja, de modo que ela viva “a suave e confortante alegria de evangelizar”. A sinodalidade, na composição e no funcionamento dos organismos em que ganha corpo, tem como finalidade a missão. A corresponsabilidade é para a missão: isto atesta que estamos verdadeiramente reunidos em nome de Jesus; isto liberta os organismos de participação de involuções burocráticas e de lógicas mundanas de poder; isto torna frutuoso o ato de nos reunirmos.

b)

À luz do magistério recente (particularmente a Lumen gentium e a Evangelii gaudium), esta corresponsabilidade de todos na missão deve ser o critério que está na base da estruturação das comunidades cristãos e de toda a Igreja local com todos os seus serviços, em todas as suas instituições, em cada um dos seus organismos de comunhão (cf. 1Cor 12,4-31). O justo reconhecimento da responsabilidade dos leigos pela missão no mundo não pode transformar-se em pretexto para atribuir apenas aos bispos e aos padres o cuidado da comunidade cristã.

c)

A autoridade por excelência é a da Palavra de Deus, que deve inspirar cada encontro dos organismos de participação, cada consulta e cada processo de decisão. Para que isto aconteça, é necessário que, a todos os níveis, o ato de se reunir busque sentido e força na Eucaristia e se desenrole à luz da Palavra escutada e partilhada na oração.

d)

A composição dos vários Conselhos para o ato de discernir e de decidir de uma comunidade missionária sinodal deve prever a presença de homens e mulheres que tenham um perfil

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apostólico, que se distingam, antes de mais, não pela frequentação assídua de espaços eclesiais,

mas por um testemunho evangélico genuíno nas realidades mais comuns da vida. O Povo de Deus será tanto mais missionário, quanto mais for capaz de fazer ressoar em si, mesmo nos organismos de participação, as vozes de todos os que já vivem a missão habitando o mundo e as suas periferias.

Questões a aprofundar

e)

À luz do que partilhámos, consideramos importante refletir sobre a forma de promover a participação nos vários Conselhos, sobretudo quando os praticantes acharem que não estão à altura desse serviço. A sinodalidade cresce no envolvimento de cada membro em processos de discernimento e decisão para a missão da Igreja: neste sentido, sentimo-nos edificados e encorajados por muitas pequenas comunidades cristãs nas Igrejas emergentes, que vivem quotidianamente um “corpo a corpo” fraterno à volta da Palavra e da Eucaristia.

f)

Na composição dos organismos de participação não podemos protelar ulteriormente o trabalho confiado pelo Papa Francisco na Amoris laetitia. A participação de homens e mulheres que vivem situações afetivas e conjugais complexas «pode exprimir-se em diferentes serviços eclesiais, sendo necessário, por isso, discernir quais das diferentes formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas» (n. 299). O discernimento em questão diz respeito também à exclusão de organismos de participação da comunidade paroquial e diocesana, praticada em não poucas Igrejas locais.

g)

Na perspetiva da originalidade evangélica da comunhão eclesial: como podemos unir o aspeto consultivo e o deliberativo da sinodalidade? Com base na configuração carismática e ministerial do Povo de Deus: como integramos nos vários organismos de participação as ações de aconselhar, discernir, decidir?

Propostas

h)

Com base na compreensão do Povo de Deus enquanto sujeito ativo da missão de evangelização, codifique-se a obrigatoriedade dos Conselhos Pastorais nas comunidades cristãs e nas Igrejas locais. Além disso, potenciem-se os organismos de participação, com uma adequada presença de leigos e leigas, com a atribuição de funções de discernimento em vista de decisões realmente apostólicas.

i)

Os organismos de participação representam o primeiro âmbito para viver a dinâmica de prestar contas de quem exerce serviços de responsabilidade. Encorajando-os no seu compromisso, convidamo-los a praticar a cultura de prestação de contas diante da comunidade de que são a expressão.

19. Os agrupamentos de Igrejas na comunhão de toda a Igreja

Convergências

a)

Estamos convencidos de que cada Igreja, dentro da comunhão das Igrejas, tem muito a dar, porque o Espírito Santo distribui com abundância os seus dons em vista da utilidade comum. Se virmos a Igreja como Corpo de Cristo, compreendemos mais facilmente que os vários membros são interdependentes e partilham a mesma vida: «se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se alegram com ele» (1Cor 12,26).

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Desejamos, por isso, desenvolver as atitudes espirituais que nascem desta forma de ver: a

humildade e a generosidade, o respeito e a partilha. São também importantes a disponibilidade para crescer no conhecimento recíproco e para predispor as estruturas necessárias para que a permuta de riquezas espirituais, discípulos missionários e bens materiais possa tornar-se uma realidade concreta.

b)

O tema dos agrupamentos de Igrejas locais tem-se revelado fundamental para um pleno exercício da sinodalidade na Igreja. Ao responder à pergunta sobre como configurar as instâncias de sinodalidade e colegialidade que envolvem agrupamentos de Igrejas locais, a Assembleia concordou na importância do discernimento eclesial levado a cabo pelas Conferências Episcopais e pelas Assembleias continentais para que a primeira fase do processo sinodal se desenrole corretamente.

c)

O processo sinodal mostrou até que ponto os organismos previstos pelo Código de Direito Canónico e pelo Código dos Cânones das Igrejas Orientais fazem um uso mais eficaz da sua função, quando são entendidos a partir das Igrejas locais. O facto de a Igreja (Ecclesia tota) ser uma comunhão de Igrejas requer que cada bispo perceba e viva a solicitude por todas as Igrejas (sollicitudo omnium Ecclesiarum) como aspecto constitutivo do seu ministério de pastor de uma Igreja.

d)

A primeira fase do processo sinodal colocou em evidência o papel determinante das Conferências Episcopais e fez emergir a necessidade de uma instância de sinodalidade e colegialidade a nível continental. Os organismos que atuam a estes níveis concorrem para o exercício da sinodalidade no respeito pelas realidades locais e pelos processos de inculturação. A Assembleia mostrou-se confiante que, deste modo, seria possível evitar o risco de uniformidade e de centralismo no governo da Igreja.

Questões a aprofundar

e)

Antes de criar novas estruturas, percebemos a exigência de reforçar e revitalizar as que já existem. Além disso, é necessário estudar, aos níveis eclesiológico e canónico, as implicações de uma reforma das estruturas relativas aos agrupamentos de Igrejas, para que assumam um caráter mais cabalmente sinodal.

f)

Tendo em conta as práticas sinodais da Igreja do primeiro milénio, propomos que se estude como é que se poderá recuperar no ordenamento canónico atual as instituições antigas, harmonizando-as com as de nova criação, como as Conferências Episcopais.

g)

Consideramos necessário aprofundar ulteriormente a natureza doutrinal e jurídica das Conferências Episcopais, reconhecendo a possibilidade de uma ação colegial mesmo em relação a questões de doutrina que emergem no âmbito local, reabrindo, assim, a reflexão sobre o Motu proprio Apostolos suos.

h)

Revejam-se os cânones que se referem aos concílios particulares (plenários e provinciais), para realizar através deles uma maior participação do Povo de Deus, a exemplo da dispensa obtida no caso do recente concílio plenário da Austrália.

Propostas

i)

Entre as estruturas já previstas pelo Código, propomos que se reforce a província eclesiástica ou metrópole, como lugar de comunhão das Igrejas locais de um território.

j)

Com base nos aprofundamentos pedidos acerca da configuração dos agrupamentos de Igrejas, coloque-se em prática o exercício da sinodalidade a nível regional, nacional e continental.

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k)

Onde for necessário, sugerimos a criação de províncias eclesiásticas internacionais, para benefício dos bispos que não pertencem a nenhuma conferência episcopal e para promover a comunhão entre Igrejas para lá dos confins nacionais.

l)

Nos Países de rito latino em que também estiver presente uma hierarquia das Igrejas orientais católicas, incluam-se os bispos orientais nas Conferências Episcopais nacionais, permanecendo íntegra a sua autonomia governativa estabelecida pelo próprio Código.

m)

Elabore-se uma configuração canónica das Assembleias continentais que, respeitando a peculiaridade de cada continente, tenha devidamente em conta a participação das Conferências Episcopais e a das Igrejas, com os seus próprios delegados que tornem presente a variedade do Povo fiel de Deus.

20. Sínodo dos Bispos e Assembleia eclesial

Convergências

a)

Mesmo quando experimentou a dificuldade de “caminhar em conjunto”, a Assembleia sentiu a alegria evangélica de ser Povo de Deus. As novidades propostas para este momento do caminho sinodal, no geral, foram acolhidas favoravelmente. As mais evidentes são: a passagem da celebração do Sínodo de evento a processo (como é indicado pela Constituição apostólica Episcopalis communio); a presença de outros membros, mulheres e homens, junto aos bispos; a presença ativa dos delegados fraternos; o retiro espiritual em preparação para a Assembleia; as celebrações da Eucaristia em São Pedro; o clima de oração e o método da conversação no Espírito; a própria disposição da Assembleia na Aula Paulo VI.

b)

A Assembleia do Sínodo dos Bispos, conservando o seu caráter eminentemente episcopal, manifestou bem nesta ocasião a relação intrínseca entre a dimensão sinodal da vida da Igreja (a participação de todos), a dimensão colegial (a solicitude dos bispos por toda a Igreja) e a dimensão primacial (o serviço do bispo de Roma, garante de comunhão).

c)

O processo sinodal foi e é um tempo de graça que nos encorajou. Deus está a dar-nos a ocasião de experimentar uma nova cultura da sinodalidade, capaz de orientar a vida e a missão da Igreja. No entanto, foi recordado que não basta criar estruturas de corresponsabilidade, se faltar a conversão pessoal a uma sinodalidade missionária. As instâncias sinodais, a cada um dos níveis, não diminuem a responsabilidade pessoal das pessoas que são chamadas a tomar parte nelas, em virtude do seu ministério e dos seus carismas, mas solicitam-na ulteriormente.

Questões a aprofundar

d)

Foi apreciada a presença de outros membros, além dos bispos, na qualidade de testemunhas do caminho sinodal. No entanto, continua em aberto a pergunta acerca da incidência da sua presença enquanto membros de pleno direito sobre o caráter episcopal da Assembleia. Alguns veem o risco de que não se esteja a compreender o papel específico dos bispos de forma adequada. Deverão ser ainda esclarecidos com base em que critérios os membros não bispos podem ser chamados a fazer parte da Assembleia.

e)

Foram referidas algumas experiências como a Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, os Organismos do Povo de Deus no Brasil, o Concílio Plenário Australiano. Continua a ser necessário determinar e aprofundar como articular, no futuro, sinodalidade e colegialidade, distinguindo (sem separações indevidas) o contributo de todos os membros do Povo de Deus na

42

elaboração das decisões e o papel específico dos bispos. A articulação de sinodalidade,

colegialidade e primado não deve ser interpretada de forma estática ou linear, mas de acordo com uma circularidade dinâmica, numa corresponsabilidade diferenciada.

f)

Se a nível regional é possível pensar em passos sucessivos (uma assembleia eclesial seguida de uma assembleia episcopal), considera-se oportuno esclarecer como se poderia propor isto em relação à Igreja católica no seu conjunto. Alguns consideram que a fórmula adotada nesta Assembleia responde a esta exigência; outros propõem que, depois de uma assembleia eclesial, se faça uma assembleia episcopal para concluir o discernimento; outros, ainda, preferem que o papel de membros da assembleia sinodal fique reservado aos bispos.

g)

Deverá também ser aprofundado e esclarecido o modo como os especialistas nas diferentes disciplinas, de modo particular teólogos e canonistas, podem dar o seu contributo aos trabalhos da assembleia sinodal e aos processos de uma Igreja sinodal.

h)

Será necessário também refletir sobre a ação da internet e da comunicação social sobre os processos sinodais.

Propostas

i)

Garanta-se uma avaliação dos processos sinodais a todos os níveis da Igreja.

j)

Avaliem-se os frutos da Primeira Sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.

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PARA PROSSEGUIR O CAMINHO

«Como havemos de comparar o reino de Deus ou em que parábola o podemos apresentar?» (Mc 4,30)

A Palavra do Senhor vem antes de toda a palavra da Igreja. As palavras dos discípulos, também as de um Sínodo, são apenas um eco daquilo que Ele mesmo diz. Para anunciar o Reino, Jesus fez a opção de falar em parábolas. Nas experiências fundamentais da vida do homem – nos sinais da natureza, nos gestos do trabalho, nos factos da vida quotidiana – encontrou as imagens para revelar o mistério de Deus. Deste modo disse-nos que o Reino nos transcende, mas não nos é estranho. Ou o vemos nas coisas do mundo ou não o veremos nunca. Numa semente que cai na terra Jesus viu representado o seu destino. Aparentemente um nada destinado a apodrecer e, todavia, habitado por um dinamismo de vida imparável, imprevisível, pascal. Um dinamismo destinado a dar vida, a tornar-se pão para muitos. Destinado a tornar-se Eucaristia. Hoje, numa cultura da luta pela supremacia e da obsessão com a visibilidade, a Igreja é chamada a repetir as palavras de Jesus, a fazê-las reviver com toda a sua força. «Como havemos de comparar o reino de Deus ou em que parábola o podemos apresentar?». Esta pergunta do Senhor ilumina o trabalho que agora nos espera. Não se trata de nos dispersarmos em muitas frentes, seguindo uma lógica eficientista e processual. Trata-se, antes, de compreender, entre as muitas palavras e propostas deste Relatório, aquilo que se apresenta como uma pequenina semente, mas cheia de futuro, e imaginar como se poderá entregá-la à terra que o há de fazer amadurecer para a vida de muitos. «Como será isso?», perguntava-se Maria em Nazaré (Lc 1,34) depois de ter escutado a Palavra. A resposta é apenas uma: ficar à sombra do Espírito e deixar-se envolver pelo seu poder. Ao olhar para o tempo que nos separa da Segunda Sessão, agradecemos ao Senhor pelo caminho feito até aqui e pelas graças com que nos abençoou. Confiamos a fase seguinte à intercessão da Bem-aventurada Virgem Maria, sinal de esperança segura e de consolação no caminho do Povo fiel de Deus, e dos Santos Apóstolos Simão e Judas, cuja festa ocorre hoje. Adsumus Sancte Spiritus! 

Roma, 28 de outubro de 2023, Festa dos SS. Simão e Judas, Apóstolos

MInistério da Visitação - Ir. Patricia Silva

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